- Folha de S. Paulo
Como seria um eventual governo Michel Temer? Essa é a pergunta mais ouvida nestes dias de intenso debate sobre o processo de impeachment que tramita no Senado.
A resposta aponta para o conhecido enunciado que imortalizou Georges-Louis Leclerc, o conde de Buffon, expresso em 1753 na Academia Francesa: "o estilo é o homem".
O estilo Michel Temer é recortado por uma linha que se chama prudência, essa virtude que abriga a capacidade de dosar coisas, o bom senso de distinguir conveniências e inconveniências, o que é bom e mau para as pessoas. Por conseguinte, deve ser o lume de uma possível experiência no comando da nação.
Esse traço se faz presente no dia a dia do vice-presidente. Quando presidiu a Câmara dos Deputados (cargo que ocupou por três vezes), tirou da cachola a ideia de desobstruir a pauta travada pelas (mal) afamadas medidas provisórias (MP).
Como se recorda, de acordo com o parágrafo 6º do artigo 62 da Constituição Federal, se a MP não é apreciada em até 45 dias contados de sua publicação, entra em regime de urgência e impede "todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando".
Professor de direito constitucional, esta foi sua interpretação: se as MPs só podem tratar de matérias reservadas à lei ordinária, apenas nas sessões ordinárias a pauta do Congresso fica trancada. Nas demais sessões, os parlamentares podem deliberar. A expressão "todas as demais deliberações legislativas", contida no referido dispositivo constitucional, entendida de forma sistêmica e restritiva, acabou convalidada pelo Supremo Tribunal Federal.
Aferindo a vida do homem público Michel Temer pela régua de Max Weber, é razoável concluir que ele se guia pela "ética da responsabilidade", no entendimento de que os atos devem ser analisados por suas consequências, positivas e negativas.
Seria essa a bússola para direcionar a matriz econômica, a cobertura social, a coalizão política que deve compor, as pressões e contrapressões que cairão sobre sua mesa, esteja ele na condição de presidente provisório ou com mandato até o último dia de 2018.
Ao popular ditado "é impossível assoviar e chupar cana ao mesmo tempo", aduz-se a hipótese de que o estilo Temer agrega condições de arrumar uma saída para a equação: atender demandas partidárias advindas de mais de 20 siglas; compor um ministério de perfis de qualidade; oferecer respostas imediatas aos anseios sociais; fazer refluir assustadores índices, 10 milhões de desempregados, PIB negativo de 3,8% neste ano e outras taxas do descalabro.
Não haverá tempo para experimentação. Assumindo o posto de presidente, terá de se valer dos primeiros 45 minutos do jogo para fazer gols. O clamor maior virá das margens. Como recompor o bolso vazio de milhões de brasileiros, cujos ganhos se transformaram em perdas nos últimos anos?
Uma pedrinha no tabuleiro do xadrez sugere a resposta. Chama-se confiança. Sob um novo governo, o resgate da credibilidade perdida é uma provável hipótese. Empreendedores nacionais e internacionais, desejosos de voltar a investir, encontrariam segurança para religar a máquina econômica.
O novo governante seria instado a manejar os cinco motores da vida produtiva, a começar pelo pacto federativo, ao qual se atrela a engrenagem da redistribuição de deveres/recursos entre União, Estados e municípios.
O arranque deslancharia a reforma tributária/fiscal, avançaria no caminho da reforma previdenciária, desfaria o nó legislativo do trabalho e trilharia na vereda da reforma política. Sob essa teia, 2018 abriria horizontes mais claros.
Por último, a índole pacífica deste paulista de Tietê é bem vista neste tormentoso momento. Tensões se multiplicam. O ódio entre alas se intensifica. Temer domina a química da lã entre vidros. Capaz de administrar fricções. Mais ouve que fala. Sinal animador em tempos de Torre de Babel.
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Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP (aposentado) e consultor político de Michel Temer
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