Com pátios cheios, montadoras podem acelerar demissões
• Com estoques bem acima da média histórica e sem perspectivas de melhora nas vendas, fabricantes de veículos podem desistir de esperar a retomada da economia e avaliam medidas mais duras para reduzir excesso de mão de obra
Cleide Silva - O Estado de S. Paulo
Há mais de um ano, a média de estoques nas montadoras e concessionárias de veículos está próxima dos 50 dias de vendas, bem acima do volume considerado razoável pelas empresas, de 30 a 35 dias. As várias medidas adotadas pelas fabricantes para reduzir a produção, com férias coletivas, dispensas temporárias e corte de jornada, não surtiram o efeito esperado para esvaziar os pátios, até porque os consumidores continuam arredios em adquirir bens de alto valor num período de crise.
Em abril, o encalhe era de 251,7 mil veículos, suficientes para 46 dias de vendas. A produção no mês foi de 169,8 mil unidades e foram vendidas 162,9 mil, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
O cenário para os próximos meses é de corte de vagas no setor, ainda que de forma incentivada por meio de Programas de Demissão Voluntária (PDV) ou pagamento extra aos demitidos. Neste mês, duas montadoras, a Mercedes-Benz, de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e a Volvo, de Curitiba (PR) anunciaram PDVs. A primeira afirma ter 2 mil excedentes, 20% do seu quadro atual, e a segunda 400, de um total de 3,2 mil operários.
A indústria automobilística opera com menos da metade de sua capacidade produtiva, de cerca de 5 milhões de veículos, mas prevê para este ano produção de no máximo 2 milhões de unidades – 1 milhão a menos do que em 2008, quando empregava número próximo ao contingente atual, de 128,4 mil trabalhadores. Desde então, nove fábricas foram inauguradas no País.
Algumas montadoras, entre as quais a Mercedes-Benz e a Ford, já indicam que não pretendem renovar o sistema de lay-off (suspensão temporária de contratos) e o Programa de Proteção ao Emprego. O PPE permite a redução da jornada e dos salários e foi criado por insistência das próprias empresas e dos sindicatos de trabalhadores como alternativa para garantir empregos em períodos de crise. Nos dois casos, parte dos salários é bancada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
“O PPE é uma solução interessante, mas para ser adotado quando há uma perspectiva de retomada na produção mais à frente”, diz o executivo de uma montadora. “Hoje, com a clareza que temos da situação macroeconômica e fiscal no País, sabemos que o cenário para a recuperação está bem mais longe do que imaginávamos e será necessário um ajuste real”, afirma a fonte, para quem as demissões no setor até agora foram “pontuais”. De janeiro de 2015 a abril deste ano, o setor fechou 15,8 mil vagas.
Sangria. Na terça-feira termina o período de nove meses do PPE na fábrica da Mercedes do ABC para 8 mil funcionários, que voltarão a trabalhar cinco dias por semana. Hoje, eles trabalham quatro dias. Além de abrir o PDV, a empresa ampliará de pouco mais de mil para 1,8 mil o número de trabalhadores em licença remunerada. Nas três fábricas de carros da Volkswagen em São Bernardo do Campo, Taubaté (SP) e São José dos Pinhais (PR), estão sendo avaliadas férias coletivas de 20 a 30 dias em junho.
Em São Bernardo, a Volkswagen tem 1.060 funcionários excedentes e na Ford há 1.110, segundo relatos da empresas ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. As duas montadoras não confirmam os números.
“Não vamos aceitar que as empresas façam uma sangria, até porque há sinais de que o mercado vai se recuperar a partir de 2017”, afirma Rafael Marques, presidente do sindicato. Ele diz entender que a situação atual é grave, mas acha possível administrá-la com a manutenção de mecanismos como PPE, lay-off e PDVs. “Mas, se as empresas insistirem em cortes, o conflito será grande”, avisa.
Atualmente, quase 30% da mão de obra das montadoras têm alguma restrição em suas atividades. Há 6 mil funcionários fora das fábricas por período mínimo de cinco meses (em lay-off), e 29,6 mil no PPE, trabalhando um dia a menos por semana. Constantemente há anúncios de férias coletivas ou licença remunerada.
Indústria domina plano emergencial
Desde o início do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), em agosto de 2015, cerca de 90 fábricas do Brasil aderiram ao projeto. Deste total, 50 entraram na iniciativa este ano (até 1º de abril), segundo dados do Ministério do Trabalho. Para bancar metade do valor da redução dos salários, o órgão terá desembolso de quase R$ 150 milhões. Pela classificação do ministério incluídas no PPE, 40 empresas são do setor fabril, 17 do automobilístico (incluindo as montadoras e autopeças), 14 do metalúrgico, dez de serviços, três de comércio, e uma de cada dos setores financeiro, têxtil, de transporte, educação e de construção civil.
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