segunda-feira, 30 de maio de 2016

Temer carrega herança bendita e maldita do PMDB

Por Cristian Klein – Valor Econômico

RIO - É o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), decano da Câmara, quem faz a comparação: "A Lava-Jato é como um saco de caranguejos, você puxa um e vem os outros agarrados". Em seu 11º mandato, Miro Teixeira vê na operação que investiga o esquema de corrupção na Petrobras um dos maiores riscos ao sucesso do governo do presidente interino Michel Temer. O outro é o nível preocupante do desemprego.

Ao puxar a delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, tido como operador do PMDB, a Lava-Jato trouxe, agarrados, os senadores Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney.

Onde se viu o mar de lama do PT agora abre-se o pântano tomado pelos pemedebistas. Michel Temer terá que ter cuidado para não se atolar. "Não terminou o jogo da Lava-Jato e nem do impeachment", agoura o ex-secretário de Organização do PT, Paulo Frateschi. "Quanto mais tempo vai passando pior para o governo. Eles terão os 54 votos? É isso que vale. Jucá é a fotografia do golpe", diz o petista.

Caranguejos andam de lado. Mas, para o ex-presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, atualmente deputado estadual pelo PMDB gaúcho, os primeiros passos do governo interino são promissores. Ibsen tem uma tese curiosa. Em momentos de crise profunda, é o PMDB - apesar de não conseguir formular um projeto nacional nos períodos de normalidade - o único partido capaz de tirar o país do brejo.

Em sua opinião, o PMDB não esteve preparado para "a administração trivial" do Brasil - "Não é por acaso que não chegou ao poder pelo voto depois da redemocratização" - mas "como ninguém" está preparado para a solução das emergências. "A crise não pode ser enfrentada por um partido particular, de esquerda ou de direita, mas de ampla presença e inserção em todos os setores da vida nacional. Antes, era restabelecer a democracia. E agora, como no governo Itamar, é restabelecer a economia", compara.

Eis a herança que o PMDB carrega para o governo Temer: algo entre o bendito - sua capacidade de dialogar - e o maldito, o alto preço cobrado pela falta de convicções e, muitas vezes, honestidade.

Tanto para Miro - que teve no velho MDB sua iniciação na política, em 1966 - quanto para Ibsen - filiado desde então ao mesmo partido - este não pode ser tratado, porém, como um governo do PMDB. "O governo Temer não é do PMDB. Olha só o ministério", diz Miro, a despeito da legenda contar com sete dos 22 ministros. Ibsen remete ao caráter de uma quase coalizão de união nacional: "O PMDB não é o centro. No principal, o governo não é PMDB. Na questão crucial, a econômica, está o ministro da Fazenda [Henrique Meirelles] e a equipe que ele montou".


Por essa visão, o PMDB reina, mas não governa. Para o petista Frateschi é sinal da fraqueza do partido. Itamar Franco, que se filiou à sigla meses antes do impeachment de Fernando Collor, em 1992, delegou aos tucanos a tarefa de debelar a hiperinflação. "O PMDB nunca teve quadros. Não tem nomes para ocupar o Planejamento, depois da saída do Jucá", critica o petista, para quem "tudo indica que a crise vai aumentar", pelo nível dos escolhidos para os ministérios, à exceção de Henrique Meirelles e de José Serra (Relações Exteriores).

A herança da agremiação para o atual governo também está na antiga divisão entre o PMDB da Câmara e o do Senado. Poderia atrapalhar a capacidade de coordenação do Executivo. As fortes pinças de Temer e Renan sobressaem na disputa entre as duas tradicionais frações do partido. O desenho de Oscar Niemeyer quis que o Congresso fosse representado por duas cúpulas: uma voltada para cima, a Câmara, mais aberta às aspirações da população, e outra voltada para baixo, o Senado, a Casa dos Estados, cujo papel é a moderação. No anedotário de Brasília, lembra Frateschi, os dois "pratos" ganharam outro sentido: representam os que já comeram, os senadores, muitos deles ex-governadores, potentados regionais; e os que ainda vão comer, os deputados, ainda ávidos por cargos majoritários. Por essa lógica, Temer povoou seu primeiro escalão com aqueles que ainda vão comer. No ministério, há dez parlamentares oriundos da Câmara e apenas dois do Senado, onde se julgará o impeachment. É um desequilíbrio perigoso para o presidente interino, dadas as conhecidas desavenças entre Temer e Renan.

O ex-deputado federal por cinco mandatos João Almeida, da Bahia, integrante da Executiva nacional do PSDB, minimiza o potencial de turbulência. "O PMDB sabe exercitar essas diferenças. Você não acha que Renan e Temer não estão juntinhos? Já estão unidos. Vão marchar juntos, mantendo seus espaços regionais", afirma Almeida, que foi filiado a MDB e PMDB entre 1970 e 1997. Em sua opinião, os pemedebistas têm capacidade grande de conviver com os desiguais, reconhecendo quem tem voto e poder real. "Os outros tentam imitar, mas é uma cultura, um refinamento, uma tecnologia que só o PMDB tem!", destaca. Exemplo, cita, foi a reunião do diretório nacional que definiu o desembarque do governo Dilma. Em três minutos, a decisão foi tomada por aclamação, sem ser levada a voto, o que poderia expor a divisão da legenda.

Os pemedebistas se protegem. Mas também não deixam de bater na cabeça de um dos seus quando alguém tenta levantá-la demais, no horizonte descentralizado da estrutura partidária. Miro argumenta que embora seja um conjunto de correntes - mais bem definido pela expressão "saco de gatos" - a falta de unidade no PMDB gera resultados democráticos internamente.

"Na véspera de uma convenção nacional, você não sabe qual será o resultado. Itamar como presidente da República não controlou a convenção. Temer, assim como Ulysses Guimarães, foi presidente do partido sem dominar seu diretório estadual ou municipal. Vem daí a força do PMDB: não ser aparelhado", afirma Miro.

Para Frateschi, é também fonte de fragilidade: "Vão se dividir, não têm tática combinada. Agora terão unidade? Como reagirá um deputado do Nordeste quando o governo cortar os recursos do Minha Casa Minha Vida?", questiona o petista, para quem a articulação política no Congresso dará sobrevida limitada a Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo). "É uma função com prazo de validade. Você dorme com dívida e acorda inadimplente. O parlamentar da base sempre lhe pede mais emendas, mais cargos, para votar com o governo. Desconsidera o que passou. A próxima votação é sempre uma nova negociação", diz Frateschi, que exerceu função equivalente no governo do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.

Para João Almeida, Temer terá seis meses de relativa boa convivência com os partidos porque a situação "é tão crítica e caótica que o Congresso terá que ter um mínimo de patriotismo". "As pessoas estão com vergonha de operar pelo velho sistema, mas depois os partidos voltarão com a mesma cultura, vai ter briga e chantagem", prevê. O legado de Temer, além da economia, precisa ser o de arrumar a casa, com um projeto que acabe com as coligações não só nas eleições proporcionais mas também nas majoritárias. O objetivo é reduzir o número de partidos e dar mais governabilidade ao presidente.

Mais otimista, Miro Teixeira afirma que, apesar do quadro instável e pulverizado, Temer, em virtude de sua experiência parlamentar, não deixará a articulação "solta". O pilar da política congressual é Temer e o da economia é Meirelles, que teria recebido licença para blindar a sua área.

Por outro lado, as medidas de ajuste fiscal podem aumentar o desemprego, que estaria na casa de 25,5 milhões, segundo dados recebidos pelo deputado. O número inclui 4 milhões de "desalentados" (pessoas desocupadas que não procuram emprego), 10 milhões que estariam recebendo seguro-desemprego e 11,5 milhões que estariam à procura de emprego.

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