- O Globo
Contrariando a jurisprudência do STF, a decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), de desbloquear a indisponibilidade de R$ 2 bilhões em bens das empreiteiras Odebrecht e OAS que havia sido decretada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em função do superfaturamento na construção da refinaria Abreu e Lima em Pernambuco, é mais uma medida polêmica que pode inviabilizar a tentativa de recuperar dinheiro desviado da Petrobras no escândalo investigado pela Operação Lava-Jato.
O ministro Marco Aurélio Mello, além de questionar o poder do TCU de bloquear bens de empresas particulares, concordou com a defesa da empreiteira, que alegou que a medida colocaria em risco a própria sobrevivência da construtora, já em recuperação judicial: “A manutenção da medida cautelar [bloqueio] pode sujeitar a impetrante à morte civil. A eficácia da tomada de contas especiais nº 000.168/2016-5, bem como de outros processos de controle conduzidos pelo Tribunal de Contas, e o ressarcimento por eventuais prejuízos causados ao erário dependem da permanência da construtora em atividade”, afirmou o ministro.
Acontece que o STF já havia analisado a questão dos poderes do TCU quanto ao bloqueio de bens quando o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e o ex-presidente da estatal Sérgio Gabrielli tentaram anular a indisponibilidade decretada pelo ministro José Jorge, referente ao escândalo de Pasadena. Na época, foi sorteado como relator do mandado de segurança o Ministro Gilmar Mendes, que negou a liminar e, em seguida, proferiu um acórdão na Segunda Turma, acompanhado por todos os ministros.
No mandado de segurança impetrado por Sérgio Gabrielli e outros, o ministro Gilmar Mendes disse que “quanto ao mérito, não há que se falar em ilegalidade ou abuso de poder em relação à atuação do TCU que, ao determinar a indisponibilidade dos bens, agiu em consonância com suas atribuições constitucionais, com disposições legais e com a jurisprudência desta Corte”.
Para ele, a indisponibilidade de bens está no campo das atribuições constitucionais de controle externo exercido pelo Tribunal de Contas da União, de acordo com a Constituição, “pois são investigadas possíveis irregularidades, apontadas pelo Ministério Público junto ao TCU, quanto à operação de compra da refinaria mencionada”.
Nesse ponto, Gilmar Mendes destacou que a jurisprudência do STF reconhece assistir ao Tribunal de Contas da União “um poder geral de cautela, que se consubstancia em prerrogativa institucional decorrente das próprias atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas para seu adequado funcionamento e alcance de suas finalidades”.
Ele cita o julgamento do mandado de segurança 24.510/DF, cuja relatoria foi da ministra Ellen Gracie, onde o ministro Celso de Mello acentuou “a importância da legitimidade constitucional dada ao TCU para adotar medidas cautelares destinadas a conferir a real efetividade às suas deliberações finais, de modo a permitir que possam ser neutralizadas situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário”.
O ministro Gilmar Mendes aduziu que “é por isso que entendo revestir-se de integral legitimidade constitucional a atribuição de índole cautelar, que, reconhecida com apoio na teoria dos poderes implícitos, permite, ao Tribunal de Contas da União, adotar as medidas necessárias ao fiel cumprimento de suas funções institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria Constituição da República”.
Não fora assim, argumentou Mendes, “adotada, na espécie, uma indevida perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente conferidas ao Tribunal de Contas da União. Atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas para seu adequado funcionamento e alcance de suas finalidades”.
A decisão monocrática do ministro Marco Aurélio pode significar, segundo ministros do próprio TCU, um triste fim para todas as auditorias e os esforços de recuperação do dinheiro desviado na Petrobras. Se não puderem bloquear ativos das empresas envolvidas, corre-se o risco de, ao fim do processo, as empresas terem esvaziado o patrimônio das construtoras, repassando tudo para as holdings ou para outras empresas do grupo.
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