quarta-feira, 22 de maio de 2019

Aonde vai Bolsonaro?: Editorial / Folha de S. Paulo

Ao alternar ataques e afagos, presidente deixa dúvidas quanto a sua estratégia

Com histórico de sete mandatos na Câmara, pai de um senador, um deputado federal e um vereador, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou que “o grande problema” do Brasil “é a nossa classe política”.

Em outras circunstâncias, a declaração talvez passasse por mera conversa fiada —mesmo porque o próprio autor se incluiu, aparentemente, na suposta classe, durante discurso na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), na segunda-feira (20).

Mas Bolsonaro vive um momento de confronto com os partidos representados no Congresso, que tomou proporções mais preocupantes depois de o mandatário ter compartilhado há poucos dias um texto que chama o Brasil de ingovernável sem conchavos.

A sequência de atos e manifestações não poderia deixar de ser interpretada como uma pregação contra o Legislativo —composto, é necessário recordar, por representantes dos eleitores tão legítimos quanto o chefe do Executivo. Ou, por outro ângulo, como o ensaio de alguma ofensiva personalista.

Ainda mais porque forças bolsonaristas convocaram atos em defesa do governo para o domingo (26), com apelos que em muitos casos perigosamente se misturam com ataques a instituições.

Na mesma segunda, o presidente parece ter se dado conta dos excessos. Em cerimônia no Palácio do Planalto dedicada à campanha em defesa da reforma da Previdência, no final da tarde, tratou de afagar o Congresso. “Valorizamos, sim, o Parlamento brasileiro, que vai ser quem vai dar a palavra final nesta questão da Previdência.”

Bolsonaro ao menos demonstra entender que seu governo corre grande risco de malogro caso fracasse a tentativa de mudança do sistema de aposentadorias. Suas dificuldades nas negociações legislativas, entretanto, são mais comezinhas: há 11 medidas provisórias prestes a perder a validade nos próximos dias por falta de votação.

Entre elas há propostas tão relevantes quanto a abertura do setor aéreo ao capital estrangeiro, a nova regulação do saneamento básico, o combate a fraudes no INSS e a própria reorganização dos ministérios promovida pelo atual governo.

Em seu vaivém, o presidente talvez aposte que, dada a emergência econômica, os congressistas tomarão para si, sem necessidade de maiores negociações, a penosa tarefa de aprovar projetos que contrariam parcelas expressivas e setores influentes da sociedade.

Não se minimize a vocação fisiológica ou mesmo chantagista de boa parte da miríade de partidos nacionais. No entanto a estratégia do confronto, além de insuflar vozes antidemocráticas, não conta com exemplos bem-sucedidos na experiência recente do país.

Isso, claro, na hipótese de que exista mesmo uma estratégia.

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