- O Estado de S.Paulo
Partidos tentam alternativa a Lula, mas patinam na falta de nomes e projeto claro
O congresso de “refundação”, com todas as aspas e as ressalvas que esta palavra tão gasta pelos partidos brasileiros merece, do PSB jogou luz sobre um processo que a esquerda não-petista brasileira deflagrou de forma atabalhoada em 2018 e, com a soltura de Lula, acelera: o rehab da dependência ao PT.
Como todo processo de desintoxicação, esse inclui hesitação, recaídas e tentativas de redução de danos por meio de paliativos. Também como toda tentativa de largar um vício, não é algo linear nem livre de sofrimento.
Por muitos anos o PSB esteve no lugar em que o PCdoB prefere permanecer e ao qual o antes rebelde PSOL voltou: o de satélite do lulopetismo. Isso começou a mudar com o projeto presidencial de Eduardo Campos, frustrado pela sua morte em plena campanha de 2014, teve idas e vindas e ficou na geladeira em 2018 diante da recusa de Joaquim Barbosa a enfrentar o rojão de uma candidatura presidencial que, mostravam as pesquisas, poderia ser bem-sucedida.
Agora o partido tenta mais uma vez largar a adição. Deixou formalmente o famigerado Foro de São Paulo, que tem pouca relevância prática, mas virou um boitatá a assombrar a narrativa da direita, fez uma crítica à ditadura venezuelana e não se apressou a subir ao palanque de Lula assim que ele foi solto em Curitiba.
O partido descreve, assim, trajetória similar à do PDT de Ciro Gomes, à cada vez mais acanhada Rede, de Marina Silva, e ao PV. Claro que é o próprio Ciro que sonha amalgamar essas legendas em torno de mais uma tentativa de chegar ao Planalto, mas a repetição de seus cacoetes e a falta de um discurso eficaz para quebrar a polarização fazem com que os potenciais parceiros demonstrem dúvida quanto a embarcar em sua canoa.
A ideia de fugir do lulismo esbarra, portanto, na falta de um líder viável. E a culpa, neste caso, é da própria esquerda, que tolheu tentativas de renovação de lideranças ao, por exemplo, ameaçar de expulsão jovens deputados que ousaram votar pela reforma da Previdência, como Tabata Amaral (PDT) e Felipe Rigoni (PSB).
Essa dualidade entre quererem se mostrar responsáveis do ponto de vista fiscal, diferentemente do PT, mas não ousarem dar o passo, cobra um preço dos pacientes da reabilitação, mas não é um mal exclusivo da esquerda.
Basta ver que o chamado centro, que abarca legendas como PSDB, DEM e Cidadania, se vê perplexo ante o desafio de apoiar as reformas liberais de Paulo Guedes e ao mesmo tempo traçar uma linha divisória que o separe do reacionarismo bolsonarista e represente uma crítica sem meandros a retrocessos nos campos dos direitos individuais, da cultura, da educação e das conquistas sociais.
Não deveria ser difícil para alguém com um projeto social-democrata responsável fiscalmente, mas vira uma geleia geral quando João Doria fica num ioiô entre se diferenciar do presidente ao mesmo tempo que pisca a seus eleitores e Luciano Huck parece viver um eterno dilema entre se expor ao tiroteio ou manter o conforto da vida de celebridade.
Diante de uma esquerda que vira e mexe tem crise de abstinência do cachimbinho lulista e um centro que ameaça descer do muro, mas não desce, pesquisas mostram Bolsonaro e Lula confortáveis na situação de dois polos do cada vez mais interditado debate político no Brasil.
A ponto de Lula nem esconder, para silêncio cúmplice do eleitorado de esquerda que adora gritar “fascismo!” nas redes sociais, que prefere perder de novo para Bolsonaro a abrir uma alternativa de esquerda ou de centro à cada vez mais putrefata hegemonia petista. E há quem assista anestesiado a isso e entoe o refrão: “Mais uma dose? É claro que eu tô a fim”.
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