- Folha de S. Paulo
Renan Calheiros ensaia passo desastroso ao
tentar quantificar mortes evitáveis por Covid
Na pandemia, todos os governos do mundo
cometeram erros. O
governo Bolsonaro, porém, cometeu sucessivos crimes contra a saúde pública.
A missão da CPI é documentá-los, acusando o presidente perante os tribunais da
opinião pública e da história. Mas Renan Calheiros ensaia um passo desastroso:
quantificar as mortes evitáveis derivadas de ações ou omissões do governo
federal. Enfeitiçado pelas redes sociais, o relator ameaça converter as
conclusões numa pantomima política.
."Vamos ouvir a academia, a ciência e
receber os estudos das mortes evitáveis", declarou, como quem dirige-se a
uma consulta com um oráculo. Qual é o endereço da Ciência?
Estudos baseados em modelos estatísticos nunca faltaram na pandemia. No caso dos modelos de longo prazo, as divergências sobre óbitos sempre situaram-se nos umbrais do infinito. Todos se recordam de Osmar Terra, que sem estudo algum profetizou poucos milhares de mortes. Muitos se esqueceram dos especialistas que, apoiados no Imperial College, previram 1 milhão de óbitos no Brasil até agosto do ano passado —e isso, bem entendido, com a manutenção das restrições sanitárias adotadas no início de tudo. O que dirão as vozes oraculares sobre as mortes evitáveis?
Nesta Folha (20 de maio), um professor universitário
escreveu que Israel criou o Hamas. Sobram acadêmicos dispostos a jurar que George
Bush ordenou a derrubada das Torres Gêmeas. A cegueira ideológica não se
circunscreve à área de humanidades. Modelos dependem dos pressupostos
selecionados pelo modelador: Calheiros terá em mãos os mais desvairados
estudos, desde os capazes de garantir que o governo federal tem
responsabilidade por 90% dos óbitos até os que celebrarão a cloroquina como
elixir da vida eterna.
A melhor régua da pandemia é o cálculo do
excesso de mortes —ou seja, do total de óbitos que supera a taxa de óbitos
verificada em anos recentes. A revista The Economist utilizou uma ferramenta
estatística para estimar esse valor, até 8 de maio de 2021 (econ.st/3yzjzoa). Sugiro que, nos seus
passeios pela ciência, Calheiros consulte o estudo.
No mapa resultante, o Brasil situa-se em
faixa de alto impacto (150 a 250 por cem mil), junto com EUA, Argentina,
Cuba, Reino Unido, Itália e Espanha. Equador, Bolívia, Bulgária e Polônia, por
exemplo, situam-se em faixa superior (250 a 350 por cem mil), enquanto México,
Peru e Rússia aparecem na mais elevada (350 por cem mil ou mais). Como provar
que, sem Bolsonaro, ficaríamos junto com a Alemanha (25 a 50) ou o Chile (100 a
150)?
Um utópico lockdown permanente talvez
reduzisse as mortes a algo perto de zero. A Suécia, que nunca fechou quase nada
mas levou o vírus a sério, inscreve-se em faixa de baixo impacto relativo (50 a
100). Se tivesse optado por lockdowns, terminaria como a Finlândia (0 a 25) ou
como a Bélgica (150 a 250)?
Bolsonaro sabotou, pelo (mau) exemplo,
o uso
de máscaras, as restrições sanitárias e a aquisição de vacinas. Sob
Pazuello, o Ministério da Saúde abandonou os pacientes de Manaus, divulgou
o receituário curandeirístico do "tratamento precoce", recusou-se
a fazer propaganda das medidas de prevenção e da vacinação. São crimes de
Estado pagos com vidas —mas em número incalculável.
Atirando-se à aventura de calculá-lo,
Calheiros deixa-se guiar pelo clamor do "genocídio", uma acusação
estúpida repetida nas redes sociais por incontáveis "especialistas" e
comentaristas com agenda política. O fruto óbvio seria um relatório
especulativo —ou, dito de outro modo, uma pizza com sabor radical. Ele teria o
aplauso de uma minoria justamente indignada, mas ricochetearia na indiferença
da parcela crucial dos eleitores desencantados de Bolsonaro.
A CPI pode qualificar Bolsonaro como "genocida", jogando para a arquibancada. Ou pode escrever o epitáfio de seu (des)governo. Só não pode fazer ambos.
3 comentários:
This is awesome and very nice information. its very useful for all. thanks a lot.
Important gyan
Temos dois pães. Você come os dois, e eu não como nenhum. Média de consumo: um pão por pessoa.
O brasileiro é ruim em matemática e farsante nas estatísticas. Confia-se que esse desconhecimento é generalizado no Brasil. Não acreditem nisso. Há quem entenda. O perigo mesmo é o de que o falseador da verdade passe definitivamente a acreditar que assim seja e , em se tratando de pessoa com visibilidade como celebridade – importa pouco o motivo: às vezes sexo, outras traições, outras ainda roubo e até chantagens –, essa “coisa” envolva os ingênuos. Ora, é um grande passo dado, pois eles são milhões neste País, que a gente tanto quer que tenha um futuro mais visível, com justiça e equidade para todos. Os bons e honestos não conseguem entender como o brasileiro sempre elege (relege) determinadas pessoas comprovadamente desmerecedoras da confiança da Nação, perpetuando-as, pelo voto, no Poder; e até determinadas teses que, ao longo da Histórias, tem se mostrado infelizes.
Temos dois pães. Você come os dois, e eu não como nenhum. Média de consumo: um pão por pessoa.
O brasileiro é ruim em matemática e farsante nas estatísticas. Confia-se que esse desconhecimento é generalizado no Brasil. Não acreditem nisso. Há quem entenda. O perigo mesmo é o de que o falseador da verdade passe definitivamente a acreditar que assim seja e , em se tratando de pessoa com visibilidade como celebridade – importa pouco o motivo: às vezes sexo, outras traições, outras ainda roubo e até chantagens –, essa “coisa” envolva os ingênuos. Ora, é um grande passo dado, pois eles são milhões neste País, que a gente tanto quer que tenha um futuro mais visível, com justiça e equidade para todos. Os bons e honestos não conseguem entender como o brasileiro sempre elege (relege) determinadas pessoas comprovadamente desmerecedoras da confiança da Nação, perpetuando-as, pelo voto, no Poder; e até determinadas teses que, ao longo da Histórias, tem se mostrado infelizes.
Postar um comentário