Por falta disso, mesmo que sem um propósito
claro, salvo o de se perpetuar no poder, o regime Bolsonaro subsiste diante de
uma oposição que passivamente se mantém na expectativa de que a maça caia no
seu colo como anunciam as previsões eleitorais. Tais previsões são conhecidas
por todos, escrutinadas pelos estrategistas bolsonaristas, que conspiram em
tempo contínuo para que elas não se realizem, inclusive em movimentos de alto
risco como nessa viagem a Moscou em plena crise de alcance mundial pela questão
da Ucrânia, em claro movimento dissonante da política dos EEUU, potência
hegemônica com a qual sempre nos alinhamos.
A derrota eleitoral em 2022 no segundo turno, se não no primeiro, já faz parte da planilha dos dirigentes bolsonaristas, onde medra a desconfiança com as forças aliadas do Centrão que podem face ao horizonte sombrio que lhes parecem reservar as urnas buscar alternativas de sobrevivência nas hostes da oposição, várias delas treinadas nas artes da convivência com elas. Para o regime Bolsonaro o processo eleitoral é percebido como a crônica de uma morte anunciada, e, nesse sentido, se prepara para tumultuá-lo e impedir sua tramitação efetiva, reiterando as práticas de Donald Trump nas últimas eleições americanas com a invasão do Capitólio. Aqui, seu cavalo de batalha é o da denúncia das urnas eletrônicas, garantia de lisura da competição eleitoral, procurando aliciar para esses fins setores das forças armadas.
Visto dessa perspectiva, a ida a Moscou,
nas circunstâncias em que se realizou, perde sua aparência de uma mera visita
protocolar, significando uma manobra, certamente arriscada, de mudança da
inscrição do país na cena internacional, uma vez que a adesão do Presidente
Biden ao tema dos direitos humanos não lhe servir como âncora em iniciativas
liberticidas, mais palatável a governos de confissão iliberais e autocráticos
como os que agora são objeto de inclinações da sua política externa. Uma vez
que a forma rústica de que se reveste o governo Bolsonaro lhe serve para
ocultar suas intenções, no caso seu encontro com o presidente Putin dá pistas
do seu plano de estado-maior para investir contra o processo eleitoral
guarnecido de um anteparo internacional a fim de se defender de reações ao seu
intento golpista.
Nesse cenário, em que de um lado se usam de
todos os recursos disponíveis a fim de impedir o caminho institucional a partir
do qual as forças democráticas venham a impor pelas urnas a derrota do atual
governo, de outro, confia-se cegamente que o curso natural das coisas e o
simples fluxo do tempo facultará a interrupção do pesadelo que aflige o país.
Desatenta ao terreno em que pisam, a oposição se entregou ao fetichismo
institucional, e, pior, entregou-se a uma disputa fratricida pelo poder, sob a
motivação de preservar suas identidades partidárias numa eventual vitória na
sucessão presidencial. Por toda parte, engalfinham-se os postulantes por nacos
de poder, como se vivêssemos na plenitude de um regime democrático.
Com base em ressentimentos do passado,
particularmente os que se originaram de equívocos de administrações petistas,
desconsidera-se a oportunidade aberta pela feliz iniciativa de próceres que
imaginaram a imprevista união entre Lula e Alkmin, duas lideranças saídas do
campo democrático, e muitos saem à cata de terceiras vias para voltarem de mãos
abanando de suas buscas, que, em alguns casos só servem para justificar seus
interesses particularistas. Não há nada além de duas vias, a do regime
Bolsonaro e a democrática, que cabe alargar com a incorporação sem distinção
entre todos os democratas.
Somos herdeiros de uma história que começou
tisnada pela mácula do latifúndio e da escravidão, que ainda pesam como chumbo
às nossas costas, e com a república experimentamos o fascismo com o Estado Novo
de 1937, no regime do AI-5 em 1968, e que, de forma latente, nos ameaça agora e
não podemos ignorar os sinais sombrios que eles emitem para nós. Como sempre, o
melhor remédio para enfrenta-lo é a união de todos os democratas.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
2 comentários:
AI5: 1989 ou 1968?
Verdade,todos os democratas deviam estar unidos nesta cruzada contra o autoritarismo - O AI-5 não foi decretado em 1989.
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