sábado, 28 de maio de 2022

Hélio Schwartsman: O voto útil

Folha de S. Paulo

Eleitor precisa ter a sensação de que tem agência nos processos decisórios

Humanos somos bons em identificar nossos interesses particulares e revesti-los de um discurso universalista. O voto útil evidencia isso muito bem. O PT e seus aliados agora defendem que, em nome da democracia, eleitores antibolsonaristas que flertam com candidatos da terceira via antecipem o voto em Lula. Nem sempre foi assim.

Quem consultar a coleção do jornal encontrará petistas esbravejando contra o voto útil nos anos 80 e 90, nas vezes em que o instituto foi evocado contra candidaturas do partido. Há um eloquente artigo de José Dirceu de 1998 cujo subtítulo diz: "Nada mais sem sentido do que a tese de que os partidos de esquerda devem apoiar Covas para derrotar Maluf".

Incongruências da natureza humana à parte, faz sentido recorrer ao voto útil agora? Não acredito na viabilidade da chamada terceira via (Ciro ou Tebet) e adoraria ver Bolsonaro receber uma votação humilhante, mas não creio que meu júbilo pessoal seja um critério de universalidade. Em termos abstratos, eu diria que considerações estratégicas na hora do voto eram uma obrigação moral do eleitor até a introdução do segundo turno, na Constituição de 1988.

Desde então, a questão tornou-se menos dramática. O cidadão disposto a afastar Bolsonaro poderá depositar seu voto no início ou no final de outubro; há diferenças, mas elas não são tão importantes, não o suficiente para exigir que o eleitor vá contra suas preferências.

A democracia, afinal, precisa passar ao cidadão a sensação, ainda que parcialmente ilusória, de que ele tem agência nos processos decisórios. Mas o que torna a democracia a menos ruim de todas as formas de governo conhecidas não é nem nunca foi a qualidade dos dirigentes eleitos. Bolsonaro é a prova viva disso. As democracias funcionam não porque materializam uma suposta sabedoria do povo, mas porque são um roteiro em geral eficaz para tirar governantes do poder pacificamente.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Voto útil é bobagem,mas pra tirar Bolsonaro logo tá valendo quase tudo,rs.