O Estado de S. Paulo.
A PEC aprovada no Senado na semana passada é a batalha decisiva de um governo que não vê diante de si nenhuma perspectiva séria de reeleição
O governo Bolsonaro está em seu estertor.
Só isso explica um conjunto de medidas eleitoreiras, ao arrepio da lei e da
Constituição, visando exclusivamente à sua reeleição. Qualquer pudor, qualquer
respeito constitucional e qualquer compostura com os recursos públicos foram
simplesmente desconsiderados. Propostas de governo e futuro de país tornam-se
fora de moda, como se a moda fosse deixar terra arrasada para outro governante.
Se o presidente tivesse um sentido mínimo de responsabilidade e uma visão de
Estado, saberia que, após ele, se ele mesmo for eventualmente reeleito, há todo
um país a ser reconstruído.
Institucionalmente, o País está arrasado, embora mantenha a aparência jurídica da normalidade. Exemplo disso, entre tantos outros, está a agora dita PEC Kamikase, cujo nome vem bem a propósito, visto que é um rombo nas contas públicas, uma espécie de morte politicamente produzida. Lembre-se que os kamikases eram pilotos japoneses que, no final da guerra, nas batalhas do Pacífico, lançavam seus aviões carregados de explosivos contra os navios aliados. Ou seja, tratava-se de ataques suicidas, assim planejados.
Ora, a dita PEC é uma missão suicida no que
diz respeito às contas públicas, à responsabilidade fiscal e, portanto, ao
combate à inflação e à redução da dívida pública, produtora no médio prazo de
mais miséria e menor crescimento. É a batalha decisiva de um governo que não vê
diante de si nenhuma perspectiva séria de reeleição. Não sem razão – se razão
nisso há –, ainda recorre a um inexistente “estado de emergência”, para que o
presidente não seja responsabilizado por irresponsabilidade fiscal ou por crime
eleitoral. Note-se que, em vez de obediência à Constituição, recorre-se a uma
gambiarra jurídica para evitar qualquer julgamento e condenação. O desrespeito
à Constituição adota, paradoxalmente, uma forma constitucional.
Talvez não haja maneira melhor de
enfraquecer uma democracia do que aparentemente segui-la, abandonando os seus
valores, princípios e acordos relativos ao bem público. As instituições vão-se
erodindo, como se nada estivesse acontecendo. O cinismo é completo, pois as
bocas estão cheias de palavras que nada significam, apesar de tencionarem algo
dizer. Na superfície, a normalidade continua vigorando, quando essas mesmas
bocas se tornam vorazes na apropriação dos recursos públicos, que são, como se
deveria saber, dos cidadãos, fruto dos impostos.
A contrapartida ao enfraquecimento
democrático consiste nesta voracidade de parlamentares que passaram a controlar
o Orçamento. O governo Bolsonaro está abdicando de governar, transferindo essa
função a deputados e senadores que passariam a ter uma espécie de reserva de
mercado no destino desses recursos. O dito orçamento secreto, que de secreto
não tem mais nada, passaria a ser impositivo, segundo alguns deputados, levando
qualquer governo progressivamente à imobilidade. O governo não mais governaria
e o Parlamento só legislaria para melhor abocanhar sua fatia dos impostos. Do
ponto de vista governamental, é propriamente kamikase!
Nesta tentativa de apagamento da
democracia, do ato mesmo de governar em função do bem público, o presidente
investe contra as urnas eletrônicas, como se fosse esse o grande problema
nacional. Fome, miséria, inflação e, portanto, o desespero de milhões de brasileiros
não fazem parte de suas preocupações. Tudo é manobra diversionista.
Não deveria, então, surpreender que a
candidatura do ex-presidente Lula progrida, pois está conseguindo capturar para
si um forte sentimento antibolsonarista, expressão de um país que começa a
fartar-se de tanta pantomima e irresponsabilidade. E isto que as propostas
petistas são atrasadas e nada oferecem de concreto no que diz respeito ao
enfrentamento dos grandes problemas nacionais. Aliás, se falassem menos,
poderiam avançar mais, uma vez que Bolsonaro joga contra si mesmo, fazendo o
jogo do seu adversário principal. Se fosse petista, estaria apostando na
radicalização bolsonarista.
Nada disso, porém, é brincadeira, por mais
fanfarronice que se faça presente. É claro que a cobertura é muitas vezes
politicamente correta, porque o discurso social não deixa de aparecer sob a
forma de Auxílio Brasil, auxílio taxista, auxílio caminhoneiro ou outro grupo
qualquer que o presidente procure privilegiar. Privilégio que se deve
unicamente ao projeto reeleitoral, exclusiva preocupação bolsonarista. Os
próprios senadores, infelizmente, caíram nesta arapuca, demonstrando falta de
descortino político.
E isto no contexto mais geral de uma
investida contra o processo eleitoral propriamente dito, via questionamento das
urnas eletrônicas. Talvez o presidente Bolsonaro seja o único político do mundo
a reclamar de fraude num processo eleitoral que o elegeu! Por coerência,
deveria ter apresentado uma representação contra sua própria vitória. Agora,
com a derrota se aproximando, o seu alvo passa a ser a própria democracia. Os
bolsonaristas estão se tornando kamikases.
*Professor de filosofia na UFRGS
2 comentários:
Só sei que depois desse relaxado governo todo mundo vai precisar de um expurgo. Bolsonaro mal sabe que estamos cheios e cansados dele e desse fingido Paulo Guedes. Seria tão bom a gente munca mais ter notícias dele. Foi a pior coisa que aconteceu conosco, pior que COVID - 19,
Alguém deveria esclarecer o que ele cumpriu nas promessas que fez em 2018. Tenho a impressão que ele cumpriu nadissima de nada
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