Valor Econômico
O BNDEs (o país) teve lucro ao financiar obras de engenharia no exterior
“Olha o BNDES, Lula. Por que a Venezuela
tem metrô e Belo Horizonte não tem metrô?”, perguntou um confiante Jair
Bolsonaro ao petista, que se atrapalhou todo para responder, no debate da Band.
“O dinheiro do BNDES para fazer o porto de Mariel, Cuba se comprometeu, não
pagando o empréstimo, a nos ressarcir em charutos. Isso é um deboche”, disse o
candidato à reeleição na sabatina feita pela Record. Nas redes sociais e em
comentários de analistas na TV, o calote de latino-americanos no banco de
desenvolvimento, que financiou grandes obras executadas por construtoras da
Lava-Jato, virou mácula das administrações do PT e ataque fácil em campanhas
eleitorais. Como se pôde liberar tanto dinheiro a projetos no exterior se
metade dos brasileiros não têm sequer o esgoto tratado?
Predomina o lugar-comum e a análise preguiçosa. É preciso conhecer, antes de criticar com orgulhosa ignorância, números da política de crédito e fomento à exportação de serviços de engenharia. Até hoje, o BNDES fez desembolsos de US$ 10,5 bilhões. Recebeu de volta US$ 12,7 bilhões. Mesmo com a inadimplência em uma série de operações, houve lucro. De US$ 2,2 bilhões. Convertendo para a moeda nacional, pouco mais de R$ 11 bilhões. Primeira lição: o banco não perdeu, mas ganhou dinheiro, com o financiamento para países da América Latina e da África. Não são dados da Fundação Perseu Abramo ou do Dieese. Estão no site do BNDES.
Os recursos eram liberados, em reais e não
em dólares, aqui e não lá fora, para as empresas responsáveis pelas obras.
Havia a exigência de que bens nacionais também fossem exportados. Geralmente,
60% a 70% do valor dos contratos. Isso movimentava a indústria. Nos canteiros
de uma hidrelétrica ou uma rodovia, encontrava-se todo tipo de produto “made in
Brazil”. Caminhões e cimento. Botas e uniformes trocados a cada três meses.
Carne e frango no refeitório dos trabalhadores.
Em um estudo na década passada, a LCA
Consultores apresentou cálculos sobre o impacto à cadeia produtiva. Mais de 2
mil empresas brasileiras - 76% pequenas e médias - faziam parte da rede de
fornecedores. De cooperativas nos morros cariocas, que integravam essa rede com
confecções, a uma companhia europeia como a Faveiley Transport, que elevou sua produção
de portas para plataformas no Brasil, com o objetivo de ser incluída na lista
de fornecedores para obras de metrôs, atendendo à exigência de conteúdo do
BNDES. Fica então a segunda lição: quando se decidiu matar tal política, a
vítima não foi (só) a Andrade Gutierrez ou a Odebrecht. Parte da economia
deixou de girar.
O Brasil chegou a ter 2,3% do mercado
global nos serviços de engenharia. Caiu para menos de 1%. Outros avançam. O US
EximBank, a alemã KfW, a KDB coreana e a Cesce espanhola aproveitaram.
Construtoras chinesas ampliaram influência na América Latina e na África. Com
insumos e materiais de fora. Ativando suas indústrias.
“Mas o BNDES tem que financiar metrô e
porto no Brasil”, conclama-se. Pois: de 1998 até agora, o crédito do banco para
a infraestrutura nacional foi 26 vezes maior (US$ 274 bilhões) do que o
financiamento aos bens e serviços usados em obras de construtoras brasileiras
no exterior (US$ 10,5 bilhões).
Bolsonaro e sua equipe econômica merecem
elogios por iniciativas como o marco legal do saneamento básico, que prevê
universalização do tratamento de esgoto até 2033, e a privatização do metrô de
Belo Horizonte, que promete desengavetar a tão esperada linha 2. No entanto, a
carteira do BNDES comprova: a culpa pelo atraso nunca foi do crédito à
exportação de serviços de engenharia. Faltou estruturar bons projetos.
Concessões que parassem em pé e atraíssem investidores. Havia recursos
disponíveis. O discurso de que nossa carência interna de infraestrutura é toda
culpa de supostas regalias a países “amigos” do PT equivale a satanizar os
museus federais pela falta de leitos de UTI no interior ou pela quantidade de
crianças passando fome. Afinal, eis a terceira lição: uma coisa não tem que ver
com a outra.
Nada de passar pano para os erros
cometidos. Em auditorias, o TCU demonstrou que o BNDES aprovava valores acima
dos “necessários” para as obras no exterior. Delatores da Lava-Jato contaram
como funcionários do governo pediam propina para influenciar na aprovação dos
financiamentos - embora as delações não tenham redundado em uma única
condenação, ou mesmo denúncia recebida pela Justiça, de pessoas envolvidas na
política de crédito à exportação.
Deve-se olhar com atenção a análise de
risco dos governos à época para financiamentos que foram concedidos a
Venezuela, Cuba e Moçambique. Os três deram calotes na dívida. Evitar que se
repitam é fundamental.
O BNDES não saiu perdendo, como nota
Evaristo Pinheiro, do Barral Parente Pinheiro Advogados e um dos maiores
especialistas no assunto do país. O Fundo de Garantia à Exportação (FGE)
ressarciu tudo. Ele é 100% abastecido pelo Tesouro Nacional, que ficou com o
prejuízo. Foram US$ 965 milhões até hoje. O FGE continua sendo superavitário.
Arrecada mais ao cobrar por seus seguros do que gasta no acionamento das
apólices. O discurso do prejuízo é falho.
Ganhar dinheiro exportando serviços de
engenharia não é para quem quer. É para quem pode. O Brasil detém expertise.
Ainda dá para resgatar essa vantagem competitiva. Sem faniquito, sem uso
eleitoreiro de uma política exitosa, que merece ajustes de rota, mas exitosa ao
fim e ao cabo.
4 comentários:
A ignorância e incompetência do GENOCIDA foram muito bem demonstradas pelo colunista! Excelente e muito informativo texto! Parabéns ao articulista e ao blog que divulgou esta coluna excepcional, muito bem escrita e objetiva! AS MENTIRAS BOLSONARISTAS SURGEM ATÉ NAS PERGUNTAS DO GENOCIDA!! É impressionante a capacidade da mentir até fazendo perguntas!!
Tudo q se relaciona com genocida bolsonaro é fraudulento, é mentiroso!. TUDO!
Muito bom e esclarecedor o artigo.
Bolsonaro repetiu as mesmas mentiras sobre este tema no debate da Globo ontem, e Lula citou este texto e mandou a assessoria bolsonarista informar seu candidato sobre os dados aqui fornecidos!
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