O Globo
Brasília oficial vai virando uma colorida
nova capital do poder nacional, com vestidos, batas, cocares, terninhos
‘Bom dia, democracia. Como é lindo o teu rosto (...)’, postou no 2 de janeiro o imortal da Academia Brasileira de Letras Marco Lucchesi, recém-nomeado presidente da Biblioteca Nacional. Difícil achar palavras mais gostosas para o arrastão de alegria vivenciado pelo Brasil no festão da posse do presidente Lula. Deu até vontade de responder, em voz alta, “Bom dia”, e sorrir. Ninguém, nada, conseguirá apagar da História nacional o radioso domingo inaugural do terceiro mandato presidencial de Lula. Foi o Brasil subindo a ladeira — no caso, a rampa do Palácio do Planalto. Correu mundo a imagem do casal presidencial e vice ladeados por um cacique (o grande Raoni, de 90 anos), um artesão, um professor, um metalúrgico, um ativista de inclusão, uma catadora, um menino da periferia, uma cozinheira e a cadela vira-lata Resistência, tudo junto e misturado, com um mar de povo alegre ao fundo. O Brasil existe, diria dias depois o jurista Silvio Almeida, em seu apaixonado discurso de posse como ministro dos Direitos Humanos.
“Estamos
tão habituados à velha antinomia entre razão e paixão, entre espírito e vida,
que quase nos assustamos com a ideia de um pensar com paixão — quando o
pensamento e o viver pleno se fundem”, escreveu Hannah Arendt mais de meio
século atrás. Sim, a alegria coletiva assusta, a autenticidade e a diversidade
individual assustam, a realidade e a bagunça democrática assustam quem está
impregnado de preconceitos. O medo aprisiona e levou a veterana colunista Anna
Marina, do Estado de Minas (cujo caderno de cultura, Pensar, é um dos melhores
da imprensa brasileira), a se sentir ofendida com o que viu na TV: “Podemos ter
índios, pretos e estropiados compondo nosso povo, mas colocar essa seleção na
cara da nação me pareceu uma forçada de mão. Essa gente responsável por
representar o novo poder me causou péssima impressão”. O jornal que publica a
coluna diária de Anna Marina há décadas é o mais influente de Minas Gerais,
estado que, por sua vez, tem o terceiro maior colégio eleitoral do país. A
visão racista do “dessa gente” nada tem de excepcional, apenas não costuma ser
explicitada de forma tão direta nos jornais.
O Brasil que gostaria de não ter povo, ou
aquele para quem o povo deveria ter a gentileza de permanecer invisível, não
deixou de existir com a vitória de Lula. Está apenas se recompondo do baque
eleitoral.
Para alguns, nem isso. Basta entrar no
perfil de Jair Bolsonaro no Twitter. Naquele espaço virtual, onde o ex-mandatário
tem 10,8 milhões de seguidores, ele continua a se apresentar como “Capitão
Paraquedista do Exército Brasileiro. Presidente da República Federativa do
Brasil. Candidato à reeleição com o número 22”. É o negacionismo de fachada, no
qual nem ele acredita, mas lhe é indispensável para ganhar tempo. Acovardado em
Orlando na casa de um casal brasileiro fraudador do Auxílio Emergencial, Jair
mantém no seu perfil virtual um endereço fictício: “Brasília, Brasil”. Em
realidade, demonstra pouco apetite para retornar à pátria tão falsamente
invocada ao longo de quatro anos. Aqui, mais cedo ou mais tarde, e com desfecho
imprevisível, ele tem encontro marcado com a Justiça. Não só ele, como sua
prole. Por via das dúvidas, entre o primeiro e o segundo turnos, o primogênito,
senador Flávio
Bolsonaro, e seu irmão Eduardo, deputado federal, já encaminharam a
papelada de requerimento da cidadania italiana.
Enquanto isso, a Brasília oficial vai
virando uma colorida nova capital do poder nacional, com vestidos, batas,
cocares, terninhos e pantalonas convivendo entre ternos e gravatas. Se o núcleo
político do governo anterior abrigava 38% de militares (sendo um da ativa),
entre os 37 integrantes do primeiro escalão de Lula os militares representam
apenas 2%. Por si só, o refluxo para algum porão brasiliense do general da
reserva Augusto
Heleno já torna o Palácio do Planalto mais arejado. Os novos
ocupantes da casa nem sequer pretenderam confiar no apego à democracia do
Gabinete de Segurança Institucional chefiado por ele. Dispensaram seus serviços
antes mesmo de serem empossados.
Na manhã de sexta-feira, sentado na cabeceira
de uma mesa cujo tamanho Vladimir Putin apreciaria, Lula reuniu toda a banda de
seu primeiro escalão e as lideranças do seu governo no Congresso.
— Este será o mandato de minha vida —
voltou a dizer, refraseando o que já dissera durante a campanha.
Veterano no cargo, desta vez está
determinado a errar o mínimo possível. Como primeiro incêndio a apagar está a
nomeação, por indicação do União Brasil, de Daniela Carneiro para a pasta do
Turismo.
Sob qualquer ângulo que se olhe, ela
introduz na cúpula do poder federal, direta ou indiretamente, o veneno
miliciano da Baixada Fluminense. O risco é alto. Qualquer decisão será difícil
de tomar logo nos primeiros dias de mandato. É Lula 3, o começo. Bom dia,
democracia.
3 comentários:
Sem querer, a Mestra Dorrit nos deu o que poderia ser chamado de bela Aula Magna do Boxe:
Jab de esquerda na Anna Marina; Direto de direita no genocida; Cruzado duplo nas crias podres do fujão; Uppercut de esquerda no queixo, nocauteando o anão-general; e preparando a postura para o Gancho no estômago da 'mané da baixada' (mas com delicadeza, viu?)
Uma diversidade de golpes de fazer inveja ao grande Eder Jofre...
Daniela Carneiro...
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