Folha de S. Paulo
Responsabilizar pessoas por delitos que
cometeram enquanto ocupavam o poder nunca foi fácil
"To Catch a Dictator" (para pegar
um ditador), de Reed Brody, não é um livro de ficção, mas pode ser classificado
como um thriller jurídico-policial. Nele, o autor, que foi advogado da Human
Rights Watch, conta sua saga de 25 anos para processar Hissène Habré, ditador do Chade entre 1982 e 1990, que deixou atrás de
si um rastro de 40 mil mortos e vários crimes, incluindo tortura e estupros.
Responsabilizar judicialmente pessoas por delitos que cometeram enquanto ocupavam o poder nunca foi fácil. Sempre houve a execução sumária de ditadores derrotados, mas não dá para chamar isso de Justiça. Depois tivemos os julgamentos de Nuremberg, mas isso foi algo isolado. O panorama começou a mudar a partir da prisão de Pinochet em Londres em 1998, a pedido de um juiz espanhol que atuava sob o princípio da jurisdição universal para crimes como tortura e genocídio. Pinochet voltou ao Chile sem sofrer condenação, mas a caixa de Pandora havia sido aberta para ex-ditadores.
Brody narra, em ritmo de minissérie, os
esforços de seu grupo, que reunia vítimas de Habré, advogados, promotores,
juízes e militantes de direitos humanos, para levar a julgamento o ex-ditador,
que vivia exilado no Senegal. As inúmeras idas e vindas do caso dão o tom de
suspense ao livro, ao qual se juntam os dramas humanos de vários personagens,
incluindo o próprio Brody. Ele conta como Habré acabou se tornando uma obsessão
pessoal sua, que lhe custou um casamento.
Os esforços, porém, acabaram recompensados, e o ex-ditador foi julgado e
condenado por uma corte africana.
Há um ponto que o livro não aborda, mas acho que merece discussão. É mais
importante fazer justiça ou prevenir mortes? Por vezes, a melhor forma de
evitar um banho de sangue é oferecer um exílio dourado ao ditador de plantão.
Com a jurisdição universal, essa saída se tornou menos crível, o que faz com
que tiranos se agarrem mais firmemente ao poder.
Um comentário:
Misericórdia!
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