O Globo
Se o governo tomar decisões radicais, cria
o clima que Bolsonaro quer
O aparato policial montado com dias de
atraso na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, demonstra que é possível
manter a ordem dentro dos limites da lei. As manifestações bolsonaristas
falharam em todo o país, pois os governos estavam organizados para
controlá-las. Nunca foi tão importante manter um sistema preventivo de
inteligência, porque estamos sendo alvo de esquema terrorista, organizado e
financiado com o objetivo de derrubar o governo.
Começou com o quebra-quebra em Brasília no dia da diplomação de Lula, prosseguiu com uma bomba num caminhão-tanque no aeroporto de Brasília, o que já dava a dimensão do perigo. Agora tivemos a vandalização dos prédios na Praça dos Três Poderes, torres de transmissão sendo sabotadas. Mesmo com a derrota para os poderes institucionais, os golpistas não pararão tão cedo, porque continuam sendo insuflados por diversas facções, a começar pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro.
A divulgação de um vídeo, mesmo que por
alguns minutos, nas suas redes sociais, avalizando uma suposta denúncia de que
a eleição foi fraudada para favorecer Lula, só ratifica o que todo mundo já
sabe: Bolsonaro está por trás das manifestações, insuflando e estimulando os
ataques.
A situação continua delicada, os
bolsonaristas estão se reorganizando nas redes e divulgando notícias falsas,
inclusive a velha história de que quem vandalizou os prédios públicos e os
tesouros artísticos lá guardados foram pessoas infiltradas pela esquerda. Ao
mesmo tempo, uma ala radical do PT quer tirar José Múcio do Ministério da
Defesa, alegando que foi fraco na condução da segurança e se deixou enganar
pelos militares. Pela inação com os acampamentos de bolsonaristas, permitiu que
acontecessem os atos terroristas de domingo.
É verdade que o novo ministro da Defesa se
excedeu na boa-fé, assumindo que os acampamentos eram compostos de democratas
que apenas queriam manifestar sua rejeição ao resultado das eleições. Fazer
oposição é do jogo democrático, mas não pedir intervenção militar para derrubar
o governo eleito. De qualquer maneira, é um movimento perigoso querer
substituí-lo por alguém “mais assertivo”, pois significa esticar a corda na
relação com os militares.
A situação não está totalmente controlada.
As Forças Armadas, como instituição, até o momento seguiram a Constituição, mas
ainda há setores bolsonaristas revoltados. Ontem de manhã, vários ex-ministros
da Defesa se reuniram virtualmente com o senador Jaques Wagner, líder do
governo, para alertá-lo do erro político que será tirar Múcio neste momento
delicado que o país vive.
A conversa virtual foi entre cinco
ex-ministros da Defesa, de diversos governos. Além do próprio Jaques Wagner,
que foi ministro de Dilma, Nelson Jobim (de Lula), Raul Jungmann (de Temer),
Aldo Rebelo (também de Dilma) e general Fernando Azevedo e Silva (de
Bolsonaro). Mudar a orientação de pacificação e moderação na relação com os
militares, a principal razão da escolha de José Múcio, seria grave, quanto mais
agora, que a situação não está pacificada.
Ainda estamos na fase de tentativa de
prevenir novos atos, de montar um sistema de informação minimamente confiável.
O que estava em funcionamento no domingo foi um desastre, e está claramente
cooptado. Esse, aliás, é um grave problema a ser resolvido: encontrar atores de
confiança para atuar no Palácio do Planalto e no sistema de inteligência e
informação do governo.
Há grupos colaboracionistas em vários
setores das Forças Armadas, das polícias militares e do setor público. Resolver
isso é tarefa que demandará tempo e paciência — se partirem para a decisão
radical, criam o clima que Bolsonaro quer. A divisão eleitoral do país se
transforma em potencial guerra civil.
Todo cuidado é pouco para, sem deixar de
ser rigoroso, não criar atritos nas áreas que ainda não estão totalmente
aderentes à democracia e à troca de comando. Essas posições ainda persistem e precisam
ser acompanhadas com rigor, mas também com cautela.
3 comentários:
É mais pra lá do que pra cá, mas faz algum sentido
Análise muito sensata, sem dúvida.
É,os militares amam Bolsonaro,infelizmente.
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