Folha de S. Paulo
Dissecando inverdades jurídicas sobre o
termo genocídio
O que ocorre hoje contra o povo yanomami em
Roraima é, tecnicamente, genocídio, termo cunhado na década de 1940 para nomear
o inominável: quem discorda ou não entende de lei, ou entende e está de má-fé,
ou, pior, possui as mãos sujas de sangue. Dissequemos as inverdades
jurídicas sobre o termo genocídio.
"Crime de genocídio seria questão apenas para o Tribunal de Haia":
falso. O tipo penal de genocídio é previsto na lei brasileira desde 1956, cujo
precedente é justamente o massacre contra yanomamis em 1993. Se a Justiça se
mostrar incapaz ou indisposta a processar este crime, o próprio Estado
brasileiro pode pedir que Haia o faça. "Genocídio pressupõe guerra":
falso. Na lei brasileira e internacional, genocídio refere-se a uma série de
atos com intenção de destruição étnico-racial, sendo diferente dos crimes de
guerra. "Genocídio exige destruição total": falso. O crime prevê atos
com intenção de extermínio no todo ou em parte.
"Caso dos yanomamis seria de
omissão": falso. Série de atos por parte de agentes oficiais aponta para a
prática genocida como política de Estado: aumento em
180% de invasões e garimpos sob Bolsonaro, autorização de exploração
de ouro ao lado dos yanomamis, desvio de
verba para medicamentos. O foco das violações em crianças yanomamis
releva, inclusive, intenção de extermínio
étnico das novas gerações.
Somos o país do genocídio por denegação. Lélia Gonzalez foi a primeira a
utilizar a categoria freudiana de denegação para explicar a grande neurose à
brasileira: somos o país que não suporta sua própria imagem no espelho e,
portanto, desconta sua ojeriza a chamar de genocídio o que é justamente
praticando-o contra aqueles que são o seu testemunho vivo. Ou olhamos no
espelho e enquadramos as imagens desumanas não como tragédia, mas como
extermino cujos mentores têm nome, sobrenome e endereço, alguns na Flórida, ou,
como escreveu o líder yanomami Davi Kopenawa, o céu continuará a cair sobre
nossas cabeças.
3 comentários:
O canalha Jair Bolsonaro sempre foi contra e perseguiu os indígenas, enquanto estava na função de deputado do baixíssimo clero. Na presidência, durante 4 anos com o poder na mão, pôde direcionar esforços de vários ministérios para PREJUDICAR, ADOECER e MATAR indígenas brasileiros. Se isto não é ser GENOCIDA, melhor excluir este termo dos nossos dicionários e da nossa língua!
Excelente artigo: fato, causas e consequências.
É,quem sabe,sabe.
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