sexta-feira, 31 de março de 2023

Bruno Boghossian - Adoçando o comprimido amargo

Folha de S. Paulo

Haddad convence Lula de regra para gastos, mas preserva fôlego para perseguir compromissos de campanha

Michel Temer dizia que os rasos índices de aprovação ao governo lhe davam coragem para tomar o que chamava de "medidas impopulares", como o teto de gastos. Jair Bolsonaro, preocupado com seus próprios números e com uma reeleição em risco, abandonou a fantasia ultraliberal e abriu tantos buracos naquele mecanismo de controle de despesas que, na prática, ele foi demolido.

Não é trivial que a missão de refazer a regra recaia sobre um presidente de esquerda que fez campanha prometendo engordar o Orçamento. A elaboração do arcabouço fiscal levou em conta um equilíbrio complexo entre as desconfianças de investidores, o pacto de Lula com sua base fiel e a manutenção de um estoque de popularidade.

Fernando Haddad perseguiu uma regra que tivesse a marca do aperto nas contas depois de convencer Lula de que, do contrário, a política econômica seria um alvo constante. A contrapartida exigida pelo Palácio do Planalto foi uma modulação, para que o governo tivesse fôlego para atender a seus compromissos de campanha, e uma embalagem que permitisse amortecer possíveis acusações de estelionato eleitoral.

A criação de um limitador de despesas significa que, cedo ou tarde, Lula terá que dizer a sua base que não poderá cumprir alguma promessa de 2022. O governo faz um esforço para adiar esse momento incômodo ao estabelecer uma margem mais confortável do que o antigo teto, guardando espaço para gastos com saúde e educação.

No anúncio da nova regra, Haddad buscou adoçar o comprimido amargo do ajuste. Disse que o arcabouço permite a inclusão dos pobres no Orçamento, manifestou preocupação com as famílias e sinalizou que o custo do aperto seria pago pelos mais ricos que, segundo sua equipe, recebem benefícios indevidos.

Foi uma mensagem para os eleitores de Lula e para grupos do PT que rangem os dentes com a ideia de um aperto. Atender a esses grupos e acalmar agentes econômicos indóceis será um desafio permanente.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Para um artigo destes, o pessoal que frequenta aqui escreve assim: "Perfeito!".

ADEMAR AMANCIO disse...

Verdade.