sexta-feira, 31 de março de 2023

Cristovam Buarque* - Catástrofe histórica

Correio Braziliense

No início de 1964, as forças políticas conservadoras estavam descontentes com o presidente João Goulart por propor reformas sociais que o Brasil, havia séculos, se negava a fazer. Os norte-americanos não estavam satisfeitos porque temiam o Brasil assumir posição de não alinhado na guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética. E o povo brasileiro estava descontente com a instabilidade social, a indisciplina e a polarização política, a inflação, a recessão, o desemprego, sucessivas greves, mobilizações, confrontos nas ruas, impasses e falta de rumo no parlamento. Havia um quadro propício à vitória de candidatos da oposição nas eleições de 1966, mas as Forças Armadas, com sua desconfiança permanente em relação aos civis e sua vocação para intervir na política, destituiu o presidente, interrompeu a democracia, prendeu líderes de esquerda e cassou direitos dos democratas de direita, suspendeu o funcionamento autônomo das instituições e aboliu liberdade acadêmica e de imprensa durante 21 anos.

Quase 60 anos depois, é possível dizer que o golpe de 1964 foi o maior de diversos erros históricos e oportunidades perdidas pelo Brasil no século 20. Se tivéssemos esperado as eleições de 1966 e as seguintes impedidas, teríamos enfrentado a crise conjuntural e encontrado rumos para superar nossos problemas estruturais.

A ideia de que o golpe militar evitou a implantação de um sistema comunista não resiste à análise séria. O partido comunista brasileiro era minúsculo e sempre foi conservador, no máximo defendia reforma agrária, tanto quanto qualquer democrata minimamente progressista da época. A União Soviética não queria outra Cuba na América Latina nem um Vietnam ou Coreia a 15 mil quilômetros de distância. Qualquer pessoa lúcida e bem-informada sabe que não havia ameaça de o comunismo ser implantado, tanto que, desde Cuba, nenhum país latino implantou esse sistema nem mesmo socialismo. A avaliação do golpe de 64 deve analisar o que os governos militares fizeram e suas consequências para o Brasil atual.

Uma potente infraestrutura foi construída ao custo de endividamento e inflação; houve crescimento econômico sem inovação nem competitividade, nossa economia não deu o salto que países democráticos conseguiram; foram criadas universidades e institutos de pesquisas sem liberdade e com professores presos, exilados ou silenciados. A pobreza se manteve, a tragédia social se agravou e a concentração de renda aumentou. O debate político sobre o futuro do país foi tolhido com Parlamento e Justiça tutelados e a população sem participação. Os partidos políticos foram desfeitos, a democracia suspensa, a moeda aviltada, a educação de base continuou abandonada. Foi montado um moderno sistema de comunicações, sob permanente censura.

Desde 1964, os militares se recusam a ver a história real da ditadura praticada em nome deles, mantêm desprezo ao poder civil, não percebem o divórcio criado entre FFAA e população. O regime militar não enfrentou nenhum dos problemas estruturais do Brasil, nem formulou estratégia para o país ingressar na civilização do conhecimento e da sustentabilidade ecológica que a década de 1960 já anunciava, não formou um "instinto nacional" desejoso e esperançoso por um Brasil eficiente, justo, culto, sustentável e democrático.

É possível imaginar que o Brasil teria hoje mais coesão política e rumo histórico se os militares tivessem permanecido nos quartéis, deixassem os civis e a democracia administrarem as crises. Se não tivessem imposto silêncio político por 21 anos sob a violência da censura, do medo, da tortura, da prisão, do exílio, do assassinato e do desaparecimento para impor um desenvolvimento arcaico, injusto e insustentável. Se não impedissem seis eleições presidenciais diretas, que teriam amadurecido e conduzido o país, naquele período, sem os retrocessos políticos, sociais, civilizatórios e humanistas que o autoritarismo provocou.

O regime militar, entre 1964 e 1985, foi um passo em falso da história brasileira, que nos permite a lição de "golpe nunca mais". O período posterior, até 2023, nos alerta para lacunas nos avanços da democracia dominada por interesses corporativos, polarizada em grupos sectários cegos por ideologias superadas, com políticas e políticos imediatistas que não aglutinam, não definem rumo e não estão enfrentando os desafios estruturais que o Brasil ainda atravessa.

*Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

8 comentários:

Anônimo disse...

Como sempre, lúcido. Minha imensa admiração e respeito renovado

Gisele Santoro disse...

O comentário publicado foi redigido por mim

Anônimo disse...

"Golpe nunca mais"! Escapamos por pouco de um novo golpe, tentado de diversas formas pelo GENOCIDA que nos governou nos últimos 4 anos. Brilhante análise do professor Cristovam, que nos brinda com sua visão e experiência. Parabéns ao autor e ao blog que divulga seu trabalho!

Anônimo disse...

Pra q servem nossas FA? Pra nada.
Precisamos, sim, dos poupudos recursos nelas inutilizados.
Quem tentar responder esta pergunta, deve começar nominando nossos inimigos.

Quem são nossos inimigos?

Começo a responder: nossas FA são o inimigo.

Anônimo disse...

É só ver os pazuello, os cid, os almirante-mula, aquele coronel fugindo dos PM e xingando os generais, o general do sni, os bozos, dentre inumeros outros, pra perceber q essa gente é ruim demais da conta.

Fernando Carvalho disse...

A ditadura militar de 64 censurou a imprensa, sequestrou gente, torturou, matou, ocultou e destruiu cadáveres. E agora em 8 de janeiro o lixo de 64, o bunda suja do Geisel, tentou voltar ao poder via golpe de estado.
Durante a ditadura um milico americano procurou o o general de plantão na presidência e disse que os americanos queriam ajudar o Brasil a explorar o nióbio. O general nem sequer sabia o que era aquilo. E o milico americano designou a família de banqueiros donos do Itaú para a tarefa. Em virtude disso 70% do nosso nióbio vai para ser estocado nos EUA. E ainda existe o contrabando de nióbio que segundo o insuspeito Marcos Valério movimentou mais dinheiro do que foi propalado pela Lava Jato. Ninguém prestou atenção nele. Ja publiquei aqui um artigo; A Corrupção do Nióbio Brasieiro. Finalizo com um apelo: DITADURA MILITAR NUNCA MAIS!!!

ADEMAR AMANCIO disse...

Gisele Santoro deixou de ser anônima,rs.

ADEMAR AMANCIO disse...

A última frase serve para quem tá no governo.