quarta-feira, 29 de março de 2023

J. B. Pontes* - A organização do Distrito Federal e os atos golpistas de 8 de janeiro

O atual Distrito Federal foi criado pela Lei 2.874/56 para abrigar a sede do governo federal. Portanto, trata-se de uma unidade federativa instituída com finalidade específica e, por este motivo, tem características peculiares e distintas dos Estados brasileiros.

Os prefeitos do Distrito Federal que, a partir de 1969, passaram a ser denominados de governadores, eram indicados pelo presidente da República.

E assim foi administrado o Distrito Federal até à promulgação da Constituição Federal de 1988, quando o governador do Distrito Federal passou a ser eleito e foi criada a Câmara Legislativa. Apesar disso, o DF continuou sendo uma unidade diferenciada da federação. A sua organização, por exemplo, foi promovida por uma lei orgânica e não por uma Constituição como ocorreu com os Estados.

A nova forma de organização e administração do Distrito Federal, promovida pela Constituição Federal de 1988, pode ter contribuído para possibilitar os atos golpistas de 08 de janeiro de 2023, quando radicais bolsonaristas invadiram, depredaram e assaltaram as sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A omissão e falhas de atuação das forças de segurança do Distrito Federal, sem dúvida, contribuíram ou facilitaram a invasão, a depredação e o assalto das sedes dos Poderes da República.

Registre-se que, naquele momento, o governador Ibaneis Rocha, vinculado a um partido de oposição ao presidente eleito, apesar das ponderações de muitos, indicou para secretário de Segurança Pública o ex-ministro do governo anterior, Anderson Torres, um bolsonarista raiz.

Vejamos o contrassenso que a situação escancarou e que demonstra que os constituintes de 1988 podem ter cometido equívoco ao alterar a forma de organização e administração do Distrito Federal. As seguintes disposições constitucionais mostram claramente que a segurança pública do Distrito Federal foi inicialmente idealizada como subordinada à Presidência da República.

O artigo 21/XIV da Constituição Federal estabeleceu a competência da União para “organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal”, o que foi confirmado pelo § 4º do artigo 32, que dispõe que: “lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, da polícia civil, da polícia penal, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar”. A inteligência desses dispositivos não permite outro entendimento: as forças de segurança do Distrito Federal estavam subordinadas ao Presidente da República.

No entanto, contraditoriamente, o § 6º do artigo 144 da CF 1988 estabeleceu que: “As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. A expressão “e distrital” e a parte final deste dispositivo (...do Distrito Federal e dos Territórios) pode ter ocorrido por engano, por má-fé ou por imposição de alguns parlamentares. Se proposital, esqueceram-se de alterar a redação dos artigos 21 e 32, pelo que a CF 1988, na parte relativa a essa matéria, ficou “um samba do crioulo doido”.

Por esse lamentável equívoco (?), as forças de segurança do Distrito Federal passaram assim a ser subordinadas ao governador. Mas continuaram a ser mantidas (custeadas) pela União. Ou seja, quem paga as contas não tem nenhuma ingerência no comando dessas forças, situação que afronta a lógica. E o resultado disso assistimos no dia 08 de janeiro.

Importante registrar-se que a União mantém ainda o Poder Judiciário e o Ministério Público do Distrito Federal, além de custear, por meio do FCDF - Fundo Constitucional do Distrito Federal, as polícias Civil, Penal, Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, a Saúde Pública e a Educação. Em 2023, o FCDF alcançou o montante de R$ 22,96 bilhões, com a seguinte destinação: Segurança Pública – R$ 10,19 bilhões; Saúde – R$ 7,14 bilhões; e Educação – R$ 5,63 bilhões. O orçamento do Governo do Distrito Federal para 2023 é de R$ 57,35 bilhões, sendo a contribuição do FCDF, portanto, quarenta por cento dele.

Por tudo isso, somos de opinião que o Distrito Federal é uma unidade federativa diferenciada, criada com destinação específica de ser a sede do governo central e que, nessa condição, é difícil aceitar-se que este território seja administrado por um governador de oposição.

Neste momento, o Ministro da Justiça e Segurança Pública está idealizando alternativas que previnam a ocorrência futura de novos atos golpistas. Uma das propostas seria a criação de uma guarda nacional para proteger a Esplanada dos Ministérios.

É preciso ponderar-se, no entanto, que, para esta finalidade, já existem a polícia militar do DF, o Batalhão da Guarda Presidencial, além das polícias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Assim, será muito difícil a criação de um novo ente com esse objetivo sem alterar substancialmente os que já existem.

Quem sabe, rever a forma de organização e administração do Distrito Federal, voltando a ser uma unidade vinculada à União, não seria a melhor e menos onerosa solução?

*Geólogo, advogado e escritor

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