quarta-feira, 29 de março de 2023

Lu Aiko Otta - Arcabouço fiscal alinha Brasil à OCDE

Valor Econômico

Nova regra e reforma tributária são esforços de modernização importantes que patinam num ambiente político difícil. Proposta quer “dessacralizar” certas despesas

Nos governos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva, a possibilidade de o Brasil passar a ser membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estava fora do radar. A ideia de ter um organismo internacional dando pitacos por aqui não agradava.

Nos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, houve um giro de 180 graus e a acessão à OCDE virou prioridade. A melhoria do ambiente de negócios, apoiada em políticas reunidas por essa organização, assim como pelas atuações do Banco Mundial e do Fórum Econômico Mundial, foi um dos pilares da gestão do ex-ministro da Economia Paulo Guedes. Como resultado da aproximação, em janeiro do ano passado começou formalmente o processo que pode resultar na aceitação do Brasil como sócio.

Com a alternância de poder na Presidência, ficou no ar a pergunta sobre como o tema seria tratado. A resposta veio do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele afirmou dias atrás que o Brasil quer, sim, ingressar na OCDE.

Com que empenho, é uma questão em aberto. Não parece haver o mesmo entusiasmo que se via no governo anterior. Tampouco se vê o ranço das passagens anteriores do PT pelo governo.

Pelo que se comenta nos bastidores, trata-se de uma opção pragmática. É a sequência de um processo de acessão que está em andamento e levará alguns anos para estar concluído. E de um alinhamento de ideias que já ocorria naturalmente, em função do que a OCDE se propõe a ser: um centro de conhecimento que permite formular boas políticas públicas.

As duas prioridades do momento na pasta da Fazenda, a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, alinham o Brasil ao padrão da OCDE. São esforços de modernização importantes que patinam num ambiente político difícil.

Se o Brasil conseguir instituir um sistema tributário parecido com o da OCDE, estará dando um enorme salto, disse o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, em evento da Arko Advice.

O novo arcabouço fiscal também aproximará a gestão das contas públicas no Brasil à das economias avançadas, informam técnicos. Muitos países reformaram seus sistemas depois da crise de 2008. Aqui, os esforços nessa direção não avançaram.

O novo marco fiscal, além de estabelecer um horizonte para a trajetória da dívida, virá acoplado a novos instrumentos que buscarão dar um uso mais eficiente aos recursos públicos. Gastar melhor, em vez de gastar mais.

Já está em curso um trabalho de avaliação de políticas públicas. Ao menos em tese, servirá de guia para reformar ou cortar gastos que não estão dando o retorno esperado. E eventualmente liberar recursos para novas prioridades.

É algo que já se tentou outras vezes, sem sucesso. Agora, novamente, fala-se nos bastidores de “dessacralizar” certas despesas, reduzi-las, e abrir espaço para um Orçamento que atenda melhor às necessidades da sociedade.

Difícil. A demora na divulgação do novo arcabouço fiscal dá a temperatura de como essa ideia é mal absorvida no conjunto do governo. Como comentou um técnico, há muitos sonhos povoando a Esplanada dos Ministérios. Nem todos poderão ser realizados.

Outro instrumento que a atual equipe pretende implementar é o orçamento plurianual. A ideia é colocar, na lei orçamentária, projeções para cada despesa nos anos seguintes.

Isso serve não só para dar mais previsibilidade à realização de investimentos públicos, como também para explicitar a capacidade de o Orçamento absorver novas despesas. Ficará mais visível o quanto o aumento de um determinado programa exigirá sacrifício de outros, para que as contas públicas sigam na trajetória desenhada pelo arcabouço.

Assim, serão necessárias escolhas. Se tudo correr como o planejado, haverá mais números e mais informações para subsidiar a difícil arte de buscar o equilíbrio orçamentário.

As pressões contrárias serão muitas, considerando que o atual governo se elegeu prometendo recompor gastos em diversas áreas. Além disso, a difícil construção da base de apoio no Congresso demandará a liberação de recursos.

Não por acaso, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) diz que o Banco Central acompanhará não só o desenho, mas a tramitação e a implementação do arcabouço fiscal. Esses são pontos de atenção também dos agentes do mercado.

Quanto ao desenho, já se sabe que o arcabouço não trará uma regra draconiana para conter despesas. Os fãs do teto de gastos deverão ficar insatisfeitos.

A resposta dos técnicos é que, para ser crível, a regra precisa ser sustentável, inclusive do ponto de vista político. Os sucessivos “furos” no teto de gastos não deixam dúvida quanto a isso.

Por outro lado, é possível que a nova regra não saia tão frouxa quanto apostam os mais pessimistas. Um técnico que se diz fiscalista e está a par da proposta opina que o arcabouço dará conta do recado.

A tramitação da proposta da nova regra fiscal no Congresso Nacional é outro ponto de dúvida. À falta de uma base suficientemente ampla de apoio ao governo somou-se a disputa entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em torno das medidas provisórias (MPs). Boa parte do pacote anunciado por Haddad em janeiro está em proposições desse tipo, que ainda aguardam votação. O arcabouço, um projeto de lei complementar, é difícil de ser aprovado por um governo com poucos votos. Exigirá maioria absoluta dos votos na Câmara e no Senado. Além disso, como toda proposição legislativa, pode ser modificado.

O arcabouço fiscal procura trazer para o Brasil ideias testadas e aprovadas nos países desenvolvidos para administrar os recursos públicos de forma mais eficaz. Seria muito ruim se esse esforço fosse novamente capturado pelas forças que, há décadas, atuam para deixar tudo do jeito que está.

2 comentários:

Anônimo disse...

Me senti bem informado sobre o contexto.
Que os bons ventos venham logo.

ADEMAR AMANCIO disse...

Verdade.Eu tô que nem a Sabrina Satto,é verdade,rs.