segunda-feira, 27 de março de 2023

Ricardo Henriques - Gasto social de qualidade é investimento

O Globo

Democracias precisam entregar serviços públicos de qualidade, economias sustentáveis e condições para mobilidade social

 “Investimento social não pode ser considerado gasto”. Essa têm sido uma afirmação frequente do presidente Lula, quando confrontado com o discurso de que determinada política fundamental para o bem-estar da população poderia gerar descontrole nas contas públicas.

De fato, o investimento em áreas como saúde, educação e combate à pobreza precisa ser considerado prioritário, tanto pelo retorno de longo prazo quanto pela garantia imediata de direitos básicos, especialmente dos mais vulneráveis.

Por vezes esta fala é interpretada como defesa de uma irresponsabilidade fiscal, mas os sinais dados pelos ministérios das áreas econômica e de planejamento mostram que há um compromisso do governo federal em preservar a saúde financeira, mantendo espaço para os investimentos tão necessários na área social.

A busca por esse equilíbrio não é simples, e é necessário colocar nessa equação também outra dimensão: a qualidade do investimento.

Resultados sociais não serão realizados por geração espontânea, senão por uma cadeia de resultados referenciada pelo bom uso dos recursos públicos, com frequente monitoramento e avaliação, e pela execução de processos adequados de forma consistente.

Quando o gasto é orientado pela eficiência, eficácia e efetividade, ele se traduzirá em melhoria nas condições de vida da população, objetivo principal de qualquer política pública social.

A agenda de defesa da responsabilidade fiscal não é monopólio de uma única corrente de pensamento, e não deve ser entendida como a negação da responsabilidade social.

Um governo responsável e comprometido com a garantia de direitos deve reconhecer que o necessário investimento público não pode ser financiado pelo aumento descontrolado da inflação ou da dívida pública, mantendo compatibilidade com o nível de arrecadação. Afinal, uma boa política fiscal tem por finalidade distribuir renda e prover bens públicos, podendo fortalecer a agenda de justiça social.

Para tanto, quando qualificado, o gasto social tem muito a contribuir, sendo capaz de promover o crescimento econômico e desenvolvimento humano ao mesmo tempo.

Segundo relatório publicado pelo Ipea, em 2011, para cada 1% a mais investido em educação e saúde, há um efeito multiplicador que aumenta em 1,78% o PIB e em 1,56% a renda das famílias. Seu efeito supera os retornos de investimento na construção civil, na exportação de commodities agrícolas e no pagamento de juros.

Isso é explicado, em parte, pelo gasto social beneficiar principalmente os estratos mais pobres e a classe média da população brasileira. Assim, o gasto social mostra-se profícua estratégia para fortalecer economicamente o país, garantindo um arranjo social equilibrado.

Por outro lado, a redução abrupta no investimento social pode contribuir para o enfraquecimento das democracias e para a ascendência de movimentos autoritários, conforme vimos nos últimos anos no mundo e no Brasil, em particular.

Uma das implicações de fragilizar o pacto social, segundo Daron Acemoglu e coautores, em artigo de 2019, é dirimir o desempenho econômico no longo prazo. Os autores argumentam que isso ocorre porque, em geral, as democracias tendem a aumentar investimentos, incentivar reformas econômicas e, sobretudo, qualificar a educação e a saúde.

Com efeito, reduzir gastos sociais pode ser altamente custoso para governos não efetivos na garantia dos direitos às populações. Democracias precisam entregar serviços públicos de qualidade, economias sustentáveis e condições reais para mobilidade social ascendente.

Em vários lugares do globo, infelizmente, elas têm falhado nessa missão, frustrando expectativas de grande parte da população e colocando em risco sua estabilidade.

O debate sobre o investimento e a qualidade do gasto social é de grande relevância para o Brasil, pois as políticas sociais formam um complexo sistema que materializa esforços históricos para a garantia de direitos da população brasileira. Também não resta dúvida de que a estabilidade fiscal é uma condição fundamental para o crescimento econômico sustentável.

No entanto, quando isso acontece em detrimento do Estado garantir tais direitos, os pactos sociais que sustentam as democracias contemporâneas ficam ameaçados, abrindo espaço para movimentos extremistas mundo afora. É neste contexto, com intencionalidade, que o investimento social com qualidade é dimensão-chave para o dinamismo econômico e para democracia.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Gasto Social é um gasto como qualquer outro; se houver qualidade na decisão desse gasto, ele pode, no futuro, ter características de investimento.

Mas sempre será um gasto e, tendo ou não tendo qualidade, terá as mesmas consequências sobre as Contas Púicas e o Orçamento.

laurindo junqueira disse...

Gasto social, se bem feito, gera mais riqueza do que outros gastos, diz o Autor. Esta seria a diferença ...

Anônimo disse...

Mas no meu comentário não considerem nenhum reparo ao conteúdo deste artigo. Em um Orçamento de escassez, eu concordo que o arbitramento precisa priorizar totalmente os gastos que atendem aos que mais precisam do Estado por serem socialmente mais frágeis.

Essa priorização dos mais frágeis não é o que vejo Lula praticar de forma saudável, mas por puro populismo, e consequentemente, sem a devida consideração por critérios técnicos de qualidade.