Integração nacional de polícias é crucial para conter facções
O Globo
Bases unificadas de inteligência são
essenciais para impedir criminosos de encontrar refúgio noutros estados
A Polícia Federal foi informada em janeiro
sobre a existência de um plano para promover atentados contra autoridades,
entre elas o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR). Na última
quarta-feira, a PF prendeu em vários estados nove suspeitos do grupo que
planejava os crimes. No dia seguinte, agentes das polícias Civil e Militar
fluminenses, em cooperação com policiais do Pará e com apoio de blindados e
helicópteros, realizaram ações contra líderes do narcotráfico. No Complexo do
Salgueiro, Região Metropolitana do Rio, a operação resultou na morte de
Leonardo Costa Araújo, o Leo 41, chefe do tráfico no Pará, além de 12 outras
pessoas. Pouco antes fora preso na favela Nova Holanda, Complexo da Maré, Breno
Vinícius Garção Martins, o Matuto, líder do tráfico em Sergipe.
Tanto Matuto como Leo 41 estavam no Rio há
tempos. Matuto deixou a cadeia em 2020. Leo 41 era foragido da Justiça paraense
desde 2019. Puderam retomar o ofício de traficante no Rio, onde Leo 41 comandou
à distância ataques que provocaram a morte de 40 agentes de segurança do Pará e
ainda participou do assalto a uma joalheria em que foi assassinado um
vigilante.
A rapidez com que a PF agiu na prisão dos acusados de tramar contra autoridades contrasta com o tempo que os traficantes do Norte e do Nordeste tiveram para se articular com a criminalidade carioca. Tal contraste demonstra a necessidade urgente de um sistema nacional ágil para troca de informações entre as 27 secretarias estaduais de Segurança. A falta de informações e de um trabalho mais eficaz de inteligência leva a mais violência.
Um sistema nacional e robusto de
inteligência poderia ter levado à prisão de Leo 41 bem antes do assalto à
joalheria. Se as polícias estaduais trabalhassem com base nesse sistema, também
não seriam necessárias operações bélicas como a executada no Complexo do
Salgueiro. Desta vez, ninguém morreu de bala perdida, mas três moradores se
feriram, um gravemente.
Em junho de 2020, um mês depois de a
polícia ter matado dois jovens no mesmo Complexo do Salgueiro, o ministro do
Supremo Tribunal Federal Edson Fachin tomou a decisão liminar de proibir
operações policiais nas favelas do Rio, com exceção das feitas em “hipóteses
absolutamente excepcionais”, mediante justificativa por escrito ao Ministério
Público fluminense.
Dois anos depois, o plenário do STF
referendou a liminar de Fachin e definiu seu alcance. O MP do Rio informou que,
como determinado, recebeu a justificativa da operação na comunidade do
Salgueiro. Mas, na prática, o Supremo criou apenas uma burocracia para avalizar
essas operações policiais, sem que haja uma discussão séria sobre mudanças de
método no trabalho das polícias ou sobre sua integração em nível nacional.
O combate ao crime organizado não pode
prescindir de um esforço coordenado pelo governo federal, capaz de fechar as
brechas que permitem aos bandidos fugir de um estado para o outro com a
tranquilidade de quem sabe estar a salvo da polícia. A integração dos sistemas
estaduais de inteligência policial, com a criação de uma base nacional única de
investigação, é o primeiro e essencial passo na luta contra as facções
criminosas. Só isso não bastará — obviamente é preciso retomar o controle dos presídios
e garantir um sistema eficaz e expedito de Justiça. Mas, sem isso, o resto não
funcionará.
Manipulação de resultados na Série B do
futebol impõe desafio a clubes e CBF
O Globo
Justiça de Goiás aceitou denúncia contra
esquema que tentava faturar com pênaltis em sites de aposta
A decisão da Justiça de Goiás de aceitar a denúncia do
Ministério Público contra 14 acusados de manipular resultados
da Série B do Campeonato Brasileiro de 2022, com o intuito de favorecer apostas
fraudulentas, é um passo fundamental para preservar a saúde do futebol
brasileiro. Entre os réus, estão oito jogadores — à época nos clubes Vila Nova,
Tombense e Sampaio Corrêa — e quatro suspeitos de atuar como aliciadores de
atletas e apostadores no esquema ilegal. As investigações não apontaram
envolvimento das empresas de apostas.
O escândalo veio à tona no início deste
ano, depois que o presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, denunciou a fraude
e apresentou o clube como vítima. Atletas de equipes diferentes haviam sido
subornados para cometer três pênaltis no primeiro tempo das partidas da última
rodada do Brasileiro, beneficiando o líder da quadrilha, que receberia R$ 2
milhões se as penalidades ocorressem.
O acaso frustrou o plano. Um jogador do
Vila Nova que já recebera R$ 10 mil (de um total de R$ 150 mil) para derrubar
um adversário na área não foi escalado para a partida. Tentou convencer colegas
a participar da fraude, mas eles não aceitaram. Nos jogos Tombense x Criciúma e
Sampaio Corrêa x Londrina, os pênaltis aconteceram.
As denúncias deram origem à Operação
Penalidade Máxima, conduzida pelo Ministério Público de Goiás. Os oito atletas
acusados foram denunciados com base no Estatuto de Defesa do Torcedor, que pune
quem “aceitar ou solicitar vantagem ou promessa de vantagem para qualquer ato
destinado a alterar ou falsear o resultado de uma competição esportiva”. A pena
prevista é de dois a seis anos de prisão, além de multa.
Com a proliferação de apostas, o futebol
fica exposto a esquemas de manipulação de resultados. Isso não acontece só no
Brasil. A CBF afirma que monitora sites de apostas para detectar movimentações
atípicas. Os casos suspeitos no Brasil subiram de 89 em 2021 para 239 no ano
passado. No mundo, de 697 para 776. Mas a vigilância não é infalível, como
mostra o caso de Goiás. Ele só foi descoberto porque o esquema não deu certo e
vazou.
Qualquer manipulação é fatal para o
futebol. Primeiro, porque pode selar o destino de um clube. A Série B contou em
2022 com gigantes do futebol brasileiro que, numa disputa acirrada, lutavam
para voltar à elite. Em segundos, um pênalti armado põe a perder o planejamento
de um ano. Segundo, porque mexe com a essência do esporte: a competição
saudável entre adversários dentro de regras preestabelecidas. Nos últimos anos,
o futebol tem incorporado ferramentas como o VAR justamente para tornar os
resultados mais justos.
É fundamental que a CBF aprimore seus sistemas de monitoramento e que se punam com rigor os envolvidos nos esquemas de manipulação. É a melhor forma de desestimular a ação dos fraudadores. A confiança nos resultados depende disso. Se o torcedor descobre que o placar foi arranjado, por que ele irá ao estádio ou se postará diante da TV para assistir aos jogos?
Pressões da máquina
Folha de S. Paulo
Após ajuste de Bolsonaro, Lula enfrentará
demandas de servidores com caixa vazio
O reajuste
salarial de 9% para os servidores federais deve pacificar por
ora as relações entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e as
corporações. Entretanto é provável que esta administração petista vá ter mais
dificuldade que as anteriores nessa seara.
A medida tem custo estimado em R$ 11,2
bilhões neste ano —e certamente haveria usos mais eficazes do ponto de vista
social para tal montante. Mas não chega a ser uma benesse exagerada, uma vez
que os últimos aumentos ocorreram em 2019, e o IPCA acumulou 21,7% nos últimos
três anos.
O problema para a análise é a falta de
parâmetros relativos à remuneração e à quantidade necessária de funcionários na
máquina federal. Há décadas o gasto da União com pessoal varia de acordo com as
inclinações e condições políticas do governo de turno e as disponibilidades de
dinheiro no caixa.
Assim, momentos de bonança na arrecadação
—ou de fragilidade presidencial— resultam em reajustes generosos e
generalizados, além de mais contratações. Depois, quando os cofres se esvaziam,
os salários ficam congelados e os concursos públicos escasseiam.
Em 2009, no segundo mandato de Lula, a despesa
com o funcionalismo atingiu 4,6% do Produto Interno Bruto, o maior patamar da
série histórica do Tesouro Nacional iniciada em 1997.
Após um ajuste forçado e precário no
governo Jair Bolsonaro (PL), o desembolso caiu ao nível historicamente baixo de
3,4% do PIB —e tenha-se em mente que a diferença de 1,2 ponto percentual ante o
pico equivale, em valores atuais, a mais de R$ 120 bilhões.
Tanto na expansão como na retração faltaram
critérios e objetivos claros, de modo que não se sabe ao certo qual é a
necessidade de cada órgão e qual o padrão remuneratório de cada categoria.
Pode-se afirmar, de todo modo, que os servidores
federais figuram entre os trabalhadores mais bem pagos do país, além
de contarem com o privilégio da estabilidade no emprego, que deveria se limitar
às carreiras típicas de Estado.
A margem para elevação de salários nos
próximos anos será estreita, dado que o governo Lula precisa reequilibrar o
Orçamento se quiser que os juros do Banco Central caiam e a economia possa
retomar a trajetória de crescimento.
É quase impossível, infelizmente, que a
administração petista enfrente o corporativismo estatal e se empenhe numa
reforma administrativa mais ambiciosa. Seria necessário rever vencimentos
iniciais, hoje muito próximos dos valores pagos no final da carreira, e o
alcance da estabilidade.
Resta esperar que a prudência orçamentária
se sobreponha às pressões que virão do funcionalismo.
Intenções e resultados
Folha de S. Paulo
PEC das Domésticas não produz efeito
esperado, revelando que lei não é panaceia
Além do samba e do futebol, o Brasil possui
outro patrimônio cultural: a obsessão por leis. Temos direitos e interditos que
regem os aspectos mais banais da vida cotidiana.
O que à primeira vista parece louvável pode
gerar distorções, como excesso de burocracia e aumento de gastos sem que se
produzam os efeitos desejados.
Um exemplo é a PEC das Domésticas. Aprovada
em 2013, a medida buscou garantir direitos trabalhistas como FGTS,
seguro-desemprego, regime de 44 horas semanais, hora de almoço e
auxílio-doença.
Contudo, após dez
anos, a lei não aumentou a formalização, em parte porque elevou-se o
custo das contratações —reação adversa que havia sido apontada por economistas
quando a lei foi proposta.
Para fugir dos encargos trabalhistas, quem
necessita de serviço doméstico passou a contratar diaristas, que não são submetidas
à PEC. Em casos mais graves, patrões burlam as regras. A dificuldade de
fiscalização, ignorada durante a formulação da norma, incentiva ações ilegais.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de
cada 4 profissionais dedicados a afazeres domésticos, 3 atuam sem carteira
assinada.
Em 2015, 1,8 milhão de trabalhadores do
setor eram formalizados e 4 milhões não tinham carteira assinada. Já em 2023,
são 1,5 milhão e 4,4 milhões, respectivamente.
A queda tem relação com o fraco desempenho
da economia durante o período, causado pela recessão encerrada em 2016 e a
pandemia de Covid-19. Menos produtividade, mais desemprego e informalidade no
mercado de trabalho.
Mas deve-se notar que, excetuando leve alta
na formalidade em 2016 (2,1 milhões), desde 2018 o número de trabalhadores com
carteira assinada se mantém menor, e o de informais é maior do que no ano de
publicação da PEC.
O trabalho doméstico é característico de
países pobres ou emergentes, pois trata-se de mão de obra barata. Assim que a
capacitação profissional da população cresce, há menos trabalhadores
disponíveis para esse tipo de serviço, e os salários sobem.
Para especialistas, a melhor forma de lidar com a informalidade é incrementar a formação técnica em outras áreas, além de uma política econômica que aumente a produtividade e a geração de renda,que sempre tem impacto positivo sobre a empregabilidade.
Candidato a imperador da Câmara
O Estado de S. Paulo.
Neste ano, após sua impressionante vitória,
Arthur Lira intensificou o modo rolo compressor, ignorando ritos e limites. É
preciso detê-lo. A Câmara tem de ser sinônimo de democracia
O País tem um problema a resolver. O
presidente da Câmara, Arthur Lira, vem atuando como se fosse um monarca
absolutista, sobre o qual os limites da Constituição não teriam efeito. Perante
as leis da República, ele estaria acima do bem e do mal. Seu comportamento em
relação à tramitação das medidas provisórias (MPs), descumprindo e
desautorizando o rito constitucional, é apenas a ponta de um iceberg de uma
compreensão absolutamente distorcida sobre as funções e os contornos da
presidência da Câmara dos Deputados.
Em fevereiro, Arthur Lira teve uma vitória
absolutamente espetacular na recondução à direção da Câmara por mais um biênio
(2023-2024). De um total de 513 deputados, 464 votaram nele. Na história
recente nacional, considerando os últimos 50 anos, foi a maior votação absoluta
de um candidato à presidência da Câmara. O segundo colocado, o deputado Chico
Alencar, obteve 21 votos, o que corresponde a menos de 5% do total dado a
Arthur Lira. Num país polarizado política e ideologicamente, o deputado do PP
de Alagoas reuniu em torno de si todo o mundo da política, do bolsonarismo ao
lulopetismo. Teve nada mais nada menos do que o apoio de 20 partidos, incluindo
duas federações.
O resultado da votação para a presidência
da Câmara diz muito sobre as disfuncionalidades do sistema representativo
nacional e o próprio comportamento dos partidos, com um pragmatismo que asfixia
qualquer pretensão de identidade programática. Mais do que apoio genuíno, a
votação acachapante foi o símbolo do receio, compartilhado pela grande maioria
das legendas, de se opor a Arthur Lira. Ninguém ousou enfrentá-lo.
Fosse o presidente da Câmara um exemplo de
obediência à Constituição, à lei e ao Regimento Interno, a inexistência de
resistência ao seu comando já seria bastante problemática para a vida
institucional do País. No Estado Democrático de Direito, o exercício do poder
sempre exige controle. E parte importante do controle do poder político fica a
cargo da oposição.
No entanto, o que se vê em Arthur Lira é
uma situação bem diferente. Ele não é afeito aos ritos institucionais. No
biênio 2021-2022, a presidência da Câmara foi marcada por atos de abuso de
poder, atropelos, manobras regimentais e descumprimento da legislação. Ele pôs
em marcha um movimento de alteração profunda da dinâmica parlamentar, com
efeitos de curto, médio e longo prazos. Por exemplo, a mudança do Regimento
Interno da Câmara, realizada em maio de 2021, reduziu, num rito já facilitado
pela pandemia, ainda mais o espaço da oposição para fazer obstrução, o que
afeta diretamente a qualidade do debate e da representação parlamentar.
No entanto, em algumas circunstâncias,
mesmo esse rito alterado não foi seguido. Por exemplo, Arthur Lira valeu-se de
sessões de um minuto, às seis da manhã, para a contagem do prazo regulamentar.
Pôs em votação o projeto de lei sobre o Imposto de Renda (IR) sem divulgar aos
próprios deputados o texto final que estava sendo apreciado.
Outra frente de distorção da representação
e do debate é o uso abusivo de grupos de trabalho, sobre os quais o presidente
da Câmara tem mais discricionariedade e controle, em vez das comissões
especiais, cuja composição precisa expressar a representatividade dos partidos.
O caso paradigmático do momento é o principal tema em tramitação na Câmara, a
reforma tributária, que está sendo analisada em um grupo de trabalho, e não em
uma comissão especial.
Esse histórico de rolo compressor de Arthur
Lira traz sérias preocupações. E o pior é que, além de ter sido incapaz de
suscitar oposição, foi o que lhe rendeu 464 votos na eleição de fevereiro. Os
partidos e o sistema político como um todo têm sido coniventes.
É preciso vigilância. Não cabe na República
exercício do poder além do que dispõe a Constituição. Jair Bolsonaro tentou e
foi contido pelo Judiciário e pelo eleitor nas urnas. Agora, é preciso conter
Arthur Lira. Na República, não há imperadores. O funcionamento da Câmara tem de
ser expressão de democracia, e não o contrário.l
Despreparo que penaliza os jovens
O Estado de S. Paulo.
O divórcio entre a educação e o mundo do
trabalho é um erro que custa caro. O Brasil tem o dever de investir na formação
profissionalizante da juventude, a maior vítima do desemprego
A falta de experiência profissional já é um
desafio para quem tenta ingressar ou está começando no mercado de trabalho.
Para milhões de jovens no Brasil, porém, há obstáculos muito maiores, e é
preciso agir logo para reverter esse quadro − sob pena de que uma parcela
significativa da juventude continue condenada a engrossar as estatísticas do
desemprego ou a depender de programas assistenciais para sobreviver. Não
bastassem as deficiências da educação básica, que tanto deixa a desejar, o País
falha na oferta de ensino técnico e profissionalizante, seja por oferecer vagas
em número inferior à demanda ou, não raro, por ignorar as profundas
transformações que vêm remodelando a economia e o mercado de trabalho.
Um diagnóstico desse desarranjo, motivo de
tantos prejuízos, acaba de ser lançado − e deveria ser lido com atenção pelas
autoridades responsáveis pela Educação Profissional e Tecnológica (EPT).
Trata-se da pesquisa O futuro do mundo do trabalho para as juventudes
brasileiras, elaborada pelo Instituto Cíclica, em parceria com o Instituto
Veredas e apoio do Itaú Educação e Trabalho, da Fundação Roberto Marinho e da
Fundação Telefônica Vivo, entre outras entidades.
Infelizmente, o ponto de partida é o atual
cenário em que a taxa de desemprego na faixa de 18 a 24 anos corresponde a mais
que o dobro da média geral do País. Outro dado grave diz respeito à chamada
geração “nem-nem”, formada por quem não trabalha nem estuda − situação de um a
cada quatro jovens de 18 a 29 anos. É desolador, para dizer o mínimo, perceber
a falta de perspectivas em que um contingente tão expressivo da juventude
brasileira está mergulhado. Vale indagar: aonde o País espera chegar abrindo
mão do potencial de tamanha quantidade de jovens?
A pesquisa ouviu 34 organizações da
sociedade civil envolvidas com a inclusão produtiva de jovens, além de revisar
mais de 500 publicações sobre o tema. Os resultados reforçam o “divórcio entre
educação e trabalho”, na acertada expressão da superintendente do Itaú Educação
e Trabalho, Ana Inoue, em entrevista ao Valor. Para 82% das organizações, os
empregadores não encontram jovens com a devida qualificação para as vagas de
trabalho anunciadas; para 77%, os jovens estão mal informados sobre o
funcionamento do mundo do trabalho e sobre as carreiras do futuro; para 59%, os
cursos de formação profissional não são atualizados nem estão em sintonia com o
mundo do trabalho.
O estudo chama a atenção para o impacto da
digitalização da economia, que cada vez mais substitui postos de trabalho,
especialmente em funções que exigem menor qualificação. Um gargalo que se
estreita, portanto, para a maior parte da juventude, considerando que cerca de
dois terços dos jovens que conseguem seu primeiro emprego ganham até um salário
mínimo. Eis outro aspecto que merece atenção das autoridades educacionais.
Claro está que não basta apenas expandir os cursos técnicos e
profissionalizantes: é preciso repensá-los à luz das novas tecnologias. A
digitalização e as inovações tecnológicas, como se sabe, também criam
oportunidades, a começar pelo setor de tecnologia da informação (TI) − no qual,
aliás, é comum faltar mão de obra especializada.
Nesse sentido, o estudo lista carreiras
consideradas promissoras para a inclusão profissional de jovens − e defende que
os cursos de EPT sejam expandidos também para atender quem já concluiu o ensino
médio. A chamada economia verde, por exemplo, demanda profissionais para a
instalação de equipamentos de energia solar, para a manutenção de turbinas
eólicas e para o processamento de biocombustíveis. No caso da economia digital,
um dos nichos é o de operador de drones. Já o envelhecimento da população faz
crescer a procura por cuidadores de idosos.
A menos que o Brasil tenha compromisso com
o atraso, é preciso qualificar a formação da atual e das novas gerações. Criar
condições para que um número cada vez maior de jovens conquiste empregos e
ajude o País a crescer. O divórcio entre a educação e o mundo do trabalho não
interessa a ninguém.
Câmeras policiais ganham o País
O Estado de S. Paulo.
O uso de câmeras nas forças nacionais e
subnacionais levará a uma polícia mais civilizada, eficaz e segura
Como reportou o Estadão, o governo federal
está elaborando um programa para incentivar Estados e municípios a adotarem
câmeras corporais nas polícias militares e guardas civis. Além disso, o próprio
governo vai adotar o equipamento nas forças policiais da União: Polícia
Rodoviária Federal, Força Nacional de Segurança Pública e Polícia Federal.
Trata-se de uma bem-vinda iniciativa que reproduz programas de sucesso já
aplicados há anos em países como EUA, Inglaterra ou Alemanha, e cujos efeitos
em um curto espaço de tempo são visíveis em Estados como Santa Catarina,
Rondônia e notadamente São Paulo.
Estados que optarem pelo modelo serão
beneficiados com recursos especiais do Fundo Nacional de Segurança Pública. O
governo negocia ainda um suporte do Banco Interamericano de Desenvolvimento
para ajudar a custear os programas.
Após oito anos de estudos e maturação, a
Polícia Militar de São Paulo introduziu as câmeras em junho de 2021 por meio do
Programa Olho Vivo. Segundo estudo da FGV, em um ano o número de mortes
decorrentes de intervenção policial caiu 80% e o de lesões, 61%.
A principal reserva dos críticos é de que
as câmeras inibiriam a proatividade dos policiais, prejudicando a repressão ao
crime. Mas esse receio não é apoiado pelas evidências. Na comparação entre
áreas que receberam as câmeras e as demais, não houve variação nas taxas de
flagrantes e de crimes como roubos e homicídios.
Isso não significa que o sistema não tenha
impacto sobre a eficácia da polícia no combate à criminalidade. De imediato,
ocorrências que costumavam ser subnotificadas, como violência doméstica,
tiveram aumento expressivo nos registros, como se a corporação adotasse a
política de tolerância zero. Além disso, as imagens podem ser analisadas pela
cadeia de comando, contribuindo, a médio prazo, para aperfeiçoar treinamentos,
protocolos e abordagens. Os bons policiais podem ser valorizados, e os maus,
corrigidos. Naturalmente, as condutas valorosas serão prestigiadas; as
inadequadas, inibidas; e as criminosas, punidas. Assim, as câmeras contribuem
para a segurança da própria polícia. Com quadros mais bem preparados, a
tendência é de redução das mortes e lesões dos policiais.
Isso não significa que as câmeras sejam uma
panaceia. A redução da letalidade policial em São Paulo, por exemplo, está
associada à adoção de outras tecnologias, como armas não letais de imobilização
– por exemplo, os tasers de eletrochoque. Além disso, o efeito das câmeras de
adequar o comportamento dos agentes aos protocolos só é potencializado se
complementado por bons programas de treinamento, sistemas de supervisão e
mecanismos de prestação de contas.
De resto, ao contribuir para uma polícia não só mais civilizada no trato com os cidadãos, mas mais eficaz no combate aos criminosos, as câmeras contribuem, direta ou indiretamente, para solucionar graves deficiências de segurança pública, como a corrupção nas corporações, as condições desastrosas dos presídios ou as baixas taxas de elucidação de crimes e de repressão aos mercados ilegais.
Lira quer reduzir poder do Senado e trava
Legislativo
Valor Econômico
Legislativo e Judiciário aumentaram seus
poderes, o Executivo, não
Mais de 50 dias após o início do ano
legislativo ele continua encalacrado, desta vez pela disputa do presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), contra o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Lira já concentra mais poderes do que todos seus
antecessores no cargo, e quer mais. Ele não quer abrir mão de um rito
provisório, criado na pandemia, de levar as Medidas Provisórias diretamente a
plenário, indicando seus relatores e influindo em seu tempo de tramitação e
conteúdo, para depois encaminhá-las ao Senado. A pandemia terminou, mas Lira
quer perenizar o dispositivo, que atende suas ambições.
A Constituição determina que as MPs sejam
em primeiro lugar avaliadas por uma comissão mista em que o número de deputados
e senadores é igual. Esse foi um dos pretextos usados pela subversão por Lira:
se é para ter comissão mista que ela seja proporcional ao tamanho das casas, e
não paritária, como manda a lei. A Câmara tem 513 deputados e o Senado, 81
senadores. A proposta requer aprovação de emenda constitucional.
Depois de vários encontros sem acordo,
Rodrigo Pacheco decidiu instalar as comissões para analisar as 13 MPs editadas
pelo governo Lula - nas quais estão a volta do voto de desempate no Carf, a
recriação do Bolsa Família e a reorganização de ministérios. O presidente da
Câmara prometeu boicotá-las. Pelo regimento, Pacheco tem o direito de indicar
membros dos partidos para compô-las. Lira, por seu lado, prometeu votar as 16
MPs que restam do governo Bolsonaro e exigiu discussão conjunta com o Senado
para isso.
O presidente da Câmara foi mais longe.
Reuniu-se com o presidente Lula na sexta para pedir-lhe apoio a sua posição -
ele sabe o que está em jogo para o Planalto e pode insinuar má vontade com as
MPs. A ameaça de caducidade das medidas criada por essa situação levou Lula a
realizar reunião com alguns ministros para definir uma posição. Foi decidido
então que essa é uma disputa no Congresso que deve ser decidida pelo Congresso
e na qual o governo não deve se intrometer.
A disputa é artificial e contrária aos
interesses do país. Lira quer agora diminuir os poderes do Senado e aumentar os
seus, mesmo quando a Constituição já lhe dá o suficiente. Os dispositivos que
criaram as comissões mistas prescrevem que a tramitação das MPs tem de iniciar
pela Câmara, o que deixa pressuposto que modificações feitas pelo Senado terão
de ser reavaliadas pelos deputados, que podem ou não acatá-las.
Lira ameaça fazer esta semana um esforço
concentrado para votar as 16 MPs deixadas por Bolsonaro, pelo rito anterior, ou
seja, assuntos relevantes e urgentes, como contêm as MPs, serão examinadas em
baciadas, com o rigor de sempre, ou seja, quase nenhum.
Depois de assenhorear-se da liderança do
Centrão, com o acordo feito com o governo Bolsonaro para dar-lhe uma base
parlamentar que o então presidente se recusara a compor, Lira, em troca, não
encaminhou nenhum das dezenas de pedidos de impeachment contra o ex-capitão. Em
troca, ganhou de presente, junto com Pacheco, os recursos do orçamento secreto.
Ao coordenar o trânsito de mais de R$ 50 bilhões das emendas do relator desde
2021, construiu vasta rede de apoio a seu comando na Casa, e aval a seus
interesses políticos, independente de filiações partidárias.
Lira, ao se fortalecer, ampliou a entropia
das alianças intra e interpartidárias, ao dar peso, com o dinheiro das emendas,
a pessoas e não tanto a partidos ou blocos. Depois que as emendas do relator
foram proibidas pelo STF, um rescaldo delas (R$ 9,8 bilhões) ainda vaga pelos
ministérios, mas o fato principal é que os apoios ao governo (agora, a qualquer
governo) foram pulverizados mais ainda. Lula, que evita como pode antagonizar
Lira, teve de liberar cargos à moda antiga para os partidos, e mesmo assim não
conseguiu até agora formar uma base fiel de apoio.
As exigências cresceram, as negociações se
tornaram mais numerosas - com alas de um mesmo partido, ou com caciques
diversos de uma mesma legenda - e muitas vezes, como está se tornando um
padrão, caso a caso. A lentidão para formar maiorias, que tem a influência das
ações de Lira, é um corolário desses tipos de acordos.
Ao receber apoio de partidos de direita,
centro e esquerda, o presidente da Câmara foi reeleito. Com Bolsonaro, o
Legislativo aumentou seu poder e, para manter o então presidente na linha, o
mesmo aconteceu com o Judiciário. O Executivo saiu diminuído e é com isso que
Lula terá de lidar. Não é fácil.
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