Folha de S. Paulo
Reformas institucionais nas democracias
focaram na governabilidade
Macron
tem sido acusado de aprovar a reforma da Previdência à margem do Parlamento recorrendo
a um dispositivo tirânico. A despeito da diferença de regime, os objetivos que
levaram a França a introduzir tal dispositivo —artigo 49.3 da Constituição— são
similares aos que levaram o Brasil a fazer o mesmo em 1988, quando foram
adotadas as medidas provisórias.
Ele faz parte das inovações que "racionalizaram" o parlamentarismo
francês, para roubar o título
do clássico de John Huber sobre o tema. A Constituição francesa de 1958 foi a resposta de De
Gaulle à ingovernabilidade da 4ª República, na qual a duração média dos
gabinetes no período foi de seis meses —foram 24 gabinetes distintos sob 16
primeiros-ministros. E isso quando o país enfrentava a crise da Argélia.
Como mostrou Huber, a inversão teve enorme
impacto sobre a capacidade do Executivo de aprovar a sua agenda, e pôs fim a
instabilidade ministerial. A reforma introduziu também um sistema
semi-presidencial, pelo qual o presidente é diretamente eleito, alavancando sua
legitimidade. O espírito da reforma vai na mesma direção do voto construtivo de
desconfiança da Constituição alemã de 1949, e adotada pela Espanha: uma maioria
parlamentar só pode derrubar um gabinete se simultaneamente apresentar uma
alternativa.
Entre nós o diagnóstico de que era preciso fortalecer institucionalmente o
poder Executivo no país foi feito com argúcia por Afonso Arinos e Hermes Lima
na mesma época, e pela Comissão Especial de Juristas para a reforma
constitucional (1956). Ela incluía a proposta, inspirada na Constituição
italiana (os provvedimenti provvisori), de decretos com força de lei a serem
referendados pelo Congresso (MPs) e de exclusividade de iniciativa de lei em
matéria orçamentária e administrativa, criando uma assimetria
Executivo-Legislativo. Essas medidas constam da Constituição de 1988, aprovada
32 anos depois.
As MPs criam um estado de coisas, cujos custos de reversão ao status quo ex
ante passam a ser arcados pelo Legislativo. Como na França.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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