Valor Econômico
Crescimento econômico menor, possível revisão
da meta fiscal e eleição municipal serão alguns dos desafios para Haddad
“Vocês sabem o quanto isolada a equipe
econômica fica na Esplanada. Ela sempre é o patinho feio da Esplanada. Nós
aceitamos esse encargo. Mas para fazer o bem para a população, para fazer o bem
para o país”, discursou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao assumir o
cargo.
Era dia 2 de janeiro de 2023 e, naquele exato momento, ele vivia uma situação que, em outras circunstâncias, seria motivo para ir embora. Seu plano de retomar de imediato a cobrança de tributos federais sobre combustíveis havia sido barrado na véspera pela ala política do governo. O ministro da Fazenda e seu plano de ajuste fiscal sofriam um revés logo na largada.
Momentos ruins e bons foram se alternando ao
longo de 2023, como nos filmes de aventura. Esta primeira temporada vai
chegando ao fim com sinais de que as emoções serão ainda maiores no ano que
vem: crescimento econômico menor, possível revisão da meta fiscal, Orçamento
sem margem para atender à ala política, debates impopulares impossíveis de
adiar e uma eleição municipal que promete retomar a polarização de 2022.
Algumas dificuldades já estavam no radar. Outras, não.
Esse acúmulo de incertezas logo à frente
produz um fenômeno curioso: apesar de números não tão ruins, impera um clima de
crise.
A inflação, que começou o ano projetada a
5,36%, agora ficará em 4,54%, nas contas do mercado. O crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB) é estimado em 2,84%, ante 0,78% em janeiro. A taxa de
desemprego chegou a 7,6%, a menor desde 2015.
A reforma tributária está prestes a sair do
Congresso Nacional. Além disso, foi aprovado um conjunto de mudanças que deve
fortalecer o mercado de crédito a partir do ano que vem.
Soube-se ontem que o PIB do terceiro
trimestre apresentou crescimento de 0,1%, quando a aposta majoritária do
mercado era de um número negativo. Justiça seja feita: a Secretaria de Política
Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda estimava um resultado entre 0 e 0,1%,
que acabou se confirmando.
Um integrante da equipe avaliou que o
resultado contribui para reafirmar o acerto no rumo da política econômica. Há
críticas quanto à velocidade e a intensidade da retomada, mas a direção é essa.
O PIB e o emprego estão num nível que não é extraordinário, mas também não
pressionam a inflação, comentou.
“Haddad foi a grande surpresa positiva em
2023”, disse à coluna o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. De início
alvo da desconfiança de que não estaria à altura do cargo, ele se tornou
“decisivo para desarmar a pletora de bobagens e impropriedades que o governo
vinha cometendo”.
O ex-ministro se referia, por exemplo, às
ideias “do tempo do ronca” expostas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
em seu discurso de posse. Como a da substituição de importações, uma política
dos anos 1980. “Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes,
plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites”, afirmou
Lula na ocasião.
Maílson fez menção também ao ataque “pouco
civilizado” ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e ao debate
“equivocado” sobre a elevação da meta de inflação para supostamente abrir
espaço para a queda dos juros.
Todas essas batalhas ocorreram no primeiro
trimestre, que o ex-ministro classifica como a primeira fase da gestão Haddad,
marcada pelo descrédito.
A segunda fase abarca o segundo e o terceiro
trimestres, quando o ministro conquista a confiança do mercado e obtém vitórias
como a aprovação do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária na Câmara.
A terceira fase começa em 27 de outubro,
quando Lula afirmou que a meta fiscal de 2024 não precisaria ser zero. A
confiança se deteriorou rapidamente após essa fala, comentou o ex-ministro.
A crise está em suspenso, pois decidiu-se
discutir a meta somente em março próximo. O adiamento não é trivial. Em março,
um eventual afrouxamento do objetivo do resultado para as contas públicas terá
por base números mais sólidos sobre o comportamento da arrecadação no ano que
vem.
Novas emoções nos aguardam em 2024. O cenário
é mais inóspito. A começar pelo baixo crescimento. Pelas projeções do
Ministério da Fazenda, o PIB avançará 2,2%, ante 3% em 2023.
Maílson listou alguns motivos de preocupação:
o agronegócio não terá o mesmo desempenho visto neste ano, a recuperação do
setor de serviços começa a arrefecer, a política monetária seguirá restritiva,
o mundo vai crescer menos. O cenário externo é desafiador: guerras na Ucrânia e
no Oriente Médio, tensão na Ásia. Além disso, a Esplanada conviverá com
dotações orçamentárias apertadas.
É ano de eleições nos municípios. Não
obstante, será necessário lançar um debate altamente impopular: mudar as regras
que determinam gastos mínimos em saúde e educação. Sem isso, será difícil
fechar uma proposta de Orçamento de 2025, afirma-se no Ministério do
Planejamento.
Ao longo de 2023, o patinho feio transitou no fio da navalha. Lula conservou a economia no rumo defendido por seu ministro, ao mesmo tempo em que manteve vivas as bandeiras políticas de seu partido, o PT. A tensão deve seguir em 2024.
Um comentário:
Viva Haddad!
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