O Globo
É na esteira da inação do governo que a oposição parece começar a descobrir flancos para agir. O alvo agora é a segurança pública
Dois meses depois das eleições mais apertadas
da História brasileira, e a dois dias da posse de Lula,
o Banco Central divulgou seu último boletim Focus de 2022. O relatório trazia a
expectativa dos principais nomes do mercado financeiro para o ano subsequente.
O cenário para 2023 era nebuloso: a previsão era que o primeiro ano do governo
Lula terminaria com baixo crescimento econômico, 0,8%, inflação acima do teto
da meta, 5,3%, dólar batendo R$ 5,27 e taxa de juro em 12,25%.
A vida real acabou sendo bem melhor do que projetavam os operadores, majoritariamente críticos ao petista: a economia deverá crescer cerca de 3% neste ano, a inflação está dentro da meta, em 4,5%, o dólar abaixo de R$ 5, e a taxa de juros fechará o ano em 11,75%. Para completar, o desemprego caiu, e a renda média dos trabalhadores subiu.
Nada disso, no entanto, foi suficiente para
dar um respiro de popularidade a Lula. De acordo com última pesquisa Datafolha,
divulgada na semana passada, os mesmos 25% que se declaravam bolsonaristas no
fim de 2002 seguem dizendo-se alinhados ao ex-presidente. Entre março e
dezembro, a avaliação positiva do governo Lula manteve-se monotonamente imóvel,
em 38%, e os que o consideram ruim ou péssimo oscilaram de 29% para 30%.
Lula navega hoje num mar desconhecido, em que
a receita para o sucesso de seus primeiros mandatos — melhora de renda e
crescimento econômico resultando em aprovação popular — dá fortes sinais de
desgaste.
Dois elementos novos são determinantes. O
primeiro é a existência de um movimento popular de oposição que seduz e
mobiliza um quarto da população. O segundo, o fato de nove em cada dez
brasileiros terem acesso à internet, onde se informam, namoram, compram,
conversam — e onde o bolsonarismo navega com muito mais competência que o
petismo.
Nesse novo universo, o governo perdeu boa
parte de sua capacidade de conduzir a narrativa. A falta de projeto para
melhorar áreas decisivas para a população deixa caminho aberto à direita. Ao
final do primeiro ano de mandato, as políticas do governo federal em relação às
três áreas que mais preocupavam os brasileiros antes da posse — saúde, educação
e segurança — são consideradas tímidas até por fiéis aliados.
Não à toa, enquanto a popularidade do
presidente não sai do lugar, o percentual dos que dizem que Lula fez pelo país
menos do que esperavam saltou de 51% em março para 57% hoje.
Um surrado ditado diz que, na política, não
existe vácuo. E é na esteira da inação do governo que a oposição parece começar
a descobrir flancos para agir. O alvo agora é a segurança pública.
As imagens de crimes que inundam as redes
sociais e os programas de TV incutem na população o temor permanente. De acordo
com uma pesquisa Quaest divulgada no início do mês, oito em cada dez
brasileiros acham que a criminalidade aumentou nos últimos 12 meses, e o mesmo
percentual acredita tratar-se de problema nacional.
Desde a transição, Lula flerta com a hipótese
de recriar o Ministério da Segurança Pública, que chegou a ser prometido em
campanha, mas não sacramenta a decisão. Entre argumentos favoráveis e
contrários à medida, prevalece o temor de avocar para o governo federal a
responsabilidade sobre um tema complexo, cuja solução dependerá de dedicação,
tempo e enorme esforço — e que hoje formalmente compete aos estados. Resta a
inação.
O 8 de Janeiro assegurou a Lula um primeiro
ano de relativa tranquilidade no debate público, mesmo numa sociedade
polarizada. Com as eleições de 2024 se avizinhando, a tendência é que os ânimos
voltem a encrespar. Gastando muita saliva e sola de sapato, Fernando Haddad
montou projetos claros, relevantes e conseguiu aprovar quase tudo o que quis
neste ano num Congresso conservador. Nísia Trindade, Camilo Santana e o
sucessor de Flávio Dino já têm uma picada a seguir. E o caminho nem é tão
obscuro assim.
*Paulo Celso Pereira é editor executivo do GLOBO
Um comentário:
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