O Globo
A bancada fundamentalista terminou a semana
com duas vitórias na Câmara. Avançou em pautas que pioram a vida de mulheres
estupradas e dependentes químicos.
Em votação relâmpago, os deputados aprovaram
a urgência do projeto que restringe o direito ao aborto seguro. A ideia é
mandar para a cadeia quem interromper a gravidez após a 22ª semana. Mesmo nas
situações em que a lei permite a prática: estupro, risco à vida da mulher ou
anencefalia.
Na mesma quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou uma proposta de emenda que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga. O texto dificulta a distinção entre usuário e traficante e abre caminho para aumentar o encarceramento de jovens negros e pobres.
As duas iniciativas seguem a mesma lógica.
Tratam questões de saúde pública como casos de polícia. Ignoram estudos e
estatísticas para impor bandeiras moralistas e religiosas.
O projeto antiaborto é uma aberração
legislativa. A pretexto de defender a vida, pune mulheres e meninas que
precisam de proteção e acolhimento. Em caso de estupro, a vítima é submetida a
uma dupla violência. Se interromper a gravidez indesejada, fica sujeita a uma
pena maior que a de seu algoz.
A ideia foi apresentada pelo deputado
Sóstenes Cavalcante, prócer da frente evangélica. Ele é ligado a Silas
Malafaia, dublê de pastor e animador de comícios bolsonaristas.
A PEC das Drogas não nasceu na igreja. Foi
gestada no Senado para constranger o Supremo, que julga a descriminalização do
porte de maconha. Seu relator na Câmara é o notório Ricardo Salles, que se uniu
à bancada da bala para passar novas boiadas.
Os apóstolos do obscurantismo são muitos, mas
não têm força para impor sua agenda. Dependem da ajuda de Arthur Lira, como se
viu nesta quarta. O chefão da Câmara tabelou com a extrema direita por razões
pouco religiosas. Quer apoio para fazer o sucessor e emparedar o governo, não
necessariamente nesta ordem.
Impedir o aborto após o estupro deixaria a
legislação brasileira tão retrógrada quanto a do Afeganistão, conhecido por
violar direitos das mulheres. Como o Brasil ainda não virou uma teocracia, a
ideia tende a acabar na gaveta. Para seus defensores, já valeu a pena.
Movimentou as redes e produziu munição para as eleições municipais.
O caso também expôs a omissão do Planalto,
que não quis enfrentar a ofensiva reacionária. O líder na Câmara chegou a dizer
que o problema era “do Parlamento, não do governo”. Com a repercussão negativa
e a pressão das ruas, a turma se viu obrigada a descer do muro. Tarde demais: a
marcha do atraso já havia avançado.
Beijo da morte
Recém-desfilado do PSDB, o ex-senador Aloysio
situa o início da derrocada da sigla em 2016, quando os tucanos embarcaram no
vale-tudo para derrubar Dilma Rousselff.
“O PSDB se aproximou muito da direita e da extrema direita no processo de impeachment. Quando apareceu um líder forte nesse campo, o eleitorado foi atrás dele, e o partido ficou falando sozinho”, resume.
2 comentários:
O colunista foi muito preciso: "O projeto antiaborto é uma aberração legislativa"!
Pois é.
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