terça-feira, 4 de junho de 2024

Dora Kramer - O delírio sobre Lira

Folha de S. Paulo

Governo erra ao espalhar que Lira é pato manco na presidência da Câmara

Nada mais falso e danoso para o andamento dos interesses do Planalto no Congresso que a disseminação da ideia de que Arthur Lira seja um pato manco na presidência da Câmara.

Desde a virada do ano isso é sussurrado aos ouvidos de analistas permeáveis a qualquer versão vinda do Palácio. Se a história faz algum sentido, e essa até faria fosse outro o personagem, sapecam-lhe o carimbo de "bastidor", e a coisa se espalha por Brasília como tradução da realidade.

No caso específico, essa prática é o pano de fundo do rompimento do deputado com o ministro Alexandre Padilha. Justa ou injustamente, Lira julgou ter identificado no gabinete de Padilha a origem dos sussurros sobre a desidratação de seu poder.

Tenha sido ou não o articulador político do governo o autor (mensageiro?), Lira o escolheu para mandar o recado de que havia captado a mensagem. Pelo visto, perfeitamente entendida, pois de lá para cá nunca mais se falou no assunto.

Entre outros motivos porque Arthur Lira vem dando demonstrações de que controla a tropa. Nas votações e nos preparativos da própria sucessão.

Providenciou uma dispersão de poder ao dispensar o relator original (Aguinaldo Ribeiro, do PP da Paraíba) da reforma tributária, nomear 14 relatores para dois projetos de regulamentação e, assim, concentrar nele a interlocução com o Planalto e setores interessados.

No jogo sucessório, vem mantendo (cozinhando em fogo brando?) desde o ano passado quatro candidaturas possíveis sem se definir publicamente por nenhuma delas. Justamente para não antecipar a transferência de poder.

Enquanto isso dá as cartas segundo o critério combinado com o presidente da República: na economia ajuda, na pauta de costumes se abstém e na agenda cara à esquerda fica contra —e o governo que lute para impor suas posições.

Se pato, Lira não é manco. Ao contrário: divide para reinar até o fim e, por ora, nada de braçada.