segunda-feira, 10 de novembro de 2025

COP em Belém e bilhões para ar-condicionado em Manaus, por Bruno Carazza

Valor Econômico

Enquanto o mundo se reúne em Belém para salvar o planeta do aquecimento global, governo brasileiro dá bilhões para empresas fabricarem ar-condicionado em Manaus

Uma das metas do governo Lula na COP30 é arrecadar pelo menos US$ 10 bilhões junto a países e ao setor privado para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, instrumento para financiar projetos que mantenham florestas em pé para combater o aquecimento global.

A iniciativa tem grandes méritos, não há dúvidas. Mas a verdade é que o próprio governo brasileiro, todos os anos, abre mão de um volume muito maior de recursos para que empresas mantenham, no coração da Amazônia, um modelo de negócios poluente e - o que é pior - que lucra com o aumento geral de temperatura.

A decisão de explorar petróleo na Margem Equatorial não é a única contradição na postura brasileira enquanto preside a COP30. A manutenção da Zona Franca de Manaus (ZFM), um pesado conjunto de incentivos tributários para a produção industrial na capital do Amazonas, não faz nenhum sentido do ponto de vista da sustentabilidade.

Criada por Juscelino Kubitschek em 1957 e implantada efetivamente em 1967, já no governo do general Castello Branco, a Zona Franca foi concebida com o objetivo de promover a ocupação amazônica por meio da atração de fábricas para Manaus. Para tanto, o governo federal isenta de impostos a importação e a aquisição de insumos e máquinas, reduz o imposto de renda e premia com créditos presumidos e depreciação acelerada as empresas que instalam unidades na região.

A Receita Federal estima em R$ 30,5 bilhões o volume de incentivos para a ZFM em 2025. Porém, desde que a legislação passou a exigir que as próprias empresas informem o volume de benefícios que usufruem, descobrimos que o montante é muito superior. De acordo com os dados da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), 2.826 pessoas jurídicas reconhecem terem recebido, entre janeiro de 2024 e fevereiro de 2025, um total de R$ 72,12 bilhões em benesses tributárias para produzirem na Zona Franca. De acordo com a cotação do dólar da sexta-feira, 7, (R$ 5,35), isso representa US$ 13,5 bilhões - mais do que o Brasil espera coletar para o fundo de florestas tropicais na COP.

Embora os incentivos da ZFM tenham sido capazes de atrair grandes empresas brasileiras e multinacionais para produzir na região amazônica, criando empregos e um ecossistema de pequenos e médios fornecedores, certamente o retorno social poderia ser muito maior diante de seu custo bilionário, inclusive em termos de sustentabilidade.

Concebida numa época em que o volume de emissões não era (como ainda não é) um fator determinante na elaboração de projetos produtivos, o modelo da Zona Franca é uma grande usina de geração de gases poluentes. Por estar distante dos demais elos da cadeia produtiva, as empresas instaladas nos distritos industriais de Manaus adquirem insumos e peças provenientes de lugares distantes (inclusive do exterior) para serem montados e depois remetidos para os centros consumidores, localizados igualmente em regiões bastante afastadas de lá (a maior parte no Centro-Sul do Brasil). Ou seja, o Estado brasileiro renuncia a dezenas de bilhões de reais todos os anos para que empresas montem seus produtos em Manaus, com baixo valor agregado localmente e elevados custos de transporte e emissões de carbono.

Quando se analisa o rol de empresas beneficiadas pelos incentivos da ZFM, percebe-se também que elas não guardam nenhuma consonância com os objetivos de desenvolvimento sustentável tão repetidos nas COPs e nem com a vocação regional.

Analisando apenas os 12 CNPJs que deixaram de pagar mais de R$ 1 bilhão em tributos em 2024 (ver infográfico), temos duas fabricantes de motos (Honda e Yamaha), uma produtora de circuitos eletrônicos (Foxconn) e uma indústria de concentrados para a Coca-Cola (Recofarma). As outras empresas são produtoras de eletrodomésticos (Samsung, LG, Climazon, Philco, Semp, Elgin, Gree e Electrolux), com destaque em seu portfólio para a produção de aparelhos de ar-condicionado.

Pode parecer piada, mas o governo brasileiro, que pretende liderar o mundo contra o aquecimento global, dá bilhões de incentivos todos os anos para empresas produzirem equipamentos de refrigeração em plena Amazônia.

Se o governo Lula está realmente preocupado com a conservação da floresta em pé, poderia tomar a iniciativa de atualizar a política da ZFM, dado que ela foi prorrogada até 2073.

Um bom compromisso unilateral a ser feito após a COP30 poderia ser realizar um desmame gradual dos benefícios para a velha indústria poluente instalada em Manaus e a sua conversão para atividades sustentáveis que explorem a bioeconomia e as imensas potencialidades da floresta na região amazônica.

 

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