quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A oposição não sabe onde o galo canta


José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Diz o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), que “a oposição foi revogada, saiu da moda”. O reconhecimento prévio do malogro neste ano eleitoral reproduz, com exatidão e sinceridade, a situação política esdrúxula que o País vive. E também ajuda a explicar tal fiasco, pois a autocondenação à morte mostra que o prócer, a exemplo dos colegas de bancada, sabe que o galo canta, mas não tem idéia de onde fica o poleiro do qual todo dia este saúda o Sol. O desabafo de Guerra traduz desalento e é também uma confissão de impotência, que resulta da própria incompetência, não apenas para combater o fenômeno que a tirou de moda, mas também para compreender a cena política, condição básica para que a partir de tal compreensão se esbocem as linhas-mestras para enfrentar e resolver o problema. A maior tragédia da oposição brasileira hoje não é a eficiência do governo, mas a própria ineficiência para perceber e atuar.

O patamar a que galgou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - de 64% de popularidade, segundo a última pesquisa Datafolha - não pode ser produto apenas de sua inegável sorte: resulta também de sua capacidade rara de se comunicar com os segmentos mais pobres e numerosos da população. Para isso usa a própria vivência e, da mesma forma, recorre a uma intuição admirável. Além da fortuna, a virtude de saber conciliar o levou ao governo depois de três derrotas seguidas em duas disputas contra o tucano Fernando Henrique e outra com o alagoano Fernando Collor. Isso não é inusitado na história política do Brasil independente. À capacidade de dom Pedro II de atender a liberais e conservadores - facilitada pelo fato de que, segundo glosava uma quadrinha popular no século 19, nada mais igual a um saquarema que um luzia no poder, apelidos jocosos dados pelo povo aos grupos que se revezavam no poder no Segundo Império - deveu-se a longevidade de seu reinado. Do talento do gaúcho Getúlio Vargas para reunir grupos na aparência antagônicos sob seu tacão - os latifundiários do PSD com os proletários do PTB - dependeu outra bem-sucedida aliança, tal como a primeira fundida no chumbo em que se imprimia o Diário Oficial: a conciliação pela via da nomeação.

A diferença entre nosso atual caudilho e os modelos históricos aqui lembrados é que ele realizou a primeira conciliação antes de alcançar o poder, ao submeter à disciplina partidária e a seu comando carismático grupos antes irreconciliáveis da esquerda armada, ao lado de lideranças sindicais e líderes da esquerda eclesiástica. Sob o estandarte socialista da mudança de “tudo o que está aí”, mas com um discurso conservador na economia, para não afugentar o voto da classe média e da classe operária especializada, ele subiu a rampa do Palácio do Planalto. No poder, mesmo não sendo um profundo conhecedor da história política nacional, aproveitou-se magistralmente das lições dos grandes conciliadores, radicalizando experiências de união nacional que já tinham sido ensaiadas, mas nunca levadas a cabo até o ponto em que ele as praticou. Foi além de Eurico Dutra e do próprio Getúlio, que montaram Gabinetes de união nacional. E conseguiu de antigos adversários políticos aparentemente inconciliáveis - de egressos da ditadura, como Paulo Maluf, José Sarney e Delfim Netto, a fisiológicos notórios, como Severino Cavalcanti, Jader Barbalho e Renan Calheiros - o que negara a Itamar Franco no grande acordo feito na pós-queda da República de Alagoas. De fato, essa mentalidade de mosqueteiros de fancaria (“todos por cada um e ninguém pelo povo”) se repete monotonamente nos palácios brasileiros desde a Independência. Mas Lula lhe deu consistência e vigor: Fernando Henrique, seu antecessor também nisso (os quadros de seus dois governos se repetem no atual, numa monotonia enervante), jamais teria estômago para fazer a defesa vigorosa que o presidente faz de políticos e práticas inconfessáveis - de Severino Cavalcanti aos “mensaleiros”.

Lula ganhou a primeira eleição prometendo ser diferente dos adversários e a segunda, garantindo que estes eram farinha do mesmo saco onde escondeu seus companheiros apanhados em flagrante em delitos catalogados ao longo de todo o Código Penal. Para isso contou com a ajuda dos opositores, que lhe entregaram as batatas da vitória no instante em que se negaram a sacrificar a cabeça do então presidente nacional do PSDB, Eduardo Azeredo (MG), flagrado em crime idêntico aos de que foram acusados “companheiros” do quilate do ex-presidente do PT do presidente José Genoino e de seu principal organizador, José Dirceu. A elite oposicionista, incapaz de enxergar um palmo além dos narizes empoados de seus baluartes, não foi capaz de compreender o fato.

Lula não dormiu sobre os louros do triunfo nas urnas, conseguido pelos próprios méritos e pela incompetência dos adversários: seu oponente, Geraldo Alckmin (PSDB-SP), conseguiu o feito de ser menos votado no segundo turno que no primeiro. E no segundo governo faz mais do mesmo, ao repetir a fórmula testada e aprovada de encher os cofres dos banqueiros e a barriga dos miseráveis. Essa fórmula mágica, capaz de içar candidaturas municipais do limbo ao topo (como as de João da Costa, no Recife, e Luiz Marinho, em São Bernardo do Campo), produz efeito de avalanche ameaçando sepultar os sonhos oposicionistas de voltar ao Planalto em 2010. Mas, a bem da verdade, Lula nada tem que ver com a lambança de seus adversários Geraldo Alckmin (PSDB) e Gilberto Kassab (DEM), únicos responsáveis pelo oxigênio injetado na candidatura petista de Marta Suplicy no maior município do País. A eleição paulistana prova que a oposição sai da moda por méritos de Lula e deméritos próprios. Doses de adesão alheia e da falta de visão dela mesma é que podem vir a revogá-la.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

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