sexta-feira, 19 de junho de 2009

Juros em queda

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Os juros vão continuar caindo, mas vão cair num ritmo menor. É isso em resumo o que o Banco Central avisou na ata do Copom divulgada ontem. A decisão de não levar adiante aquela atabalhoada fórmula de mexer na remuneração da poupança reduz um pouco mais o espaço do Banco Central, mas isso deve fortalecer a proposta de redução da tributação dos fundos.

No Ministério da Fazenda, a decisão foi esperar para ver. Se houver uma migração grande das aplicações da caderneta de poupança para os fundos, a redução da tributação sairá da gaveta. A migração já começou a ocorrer e pode acontecer mais intensamente. Por sua vez, o Banco Central não voltou a dar ênfase na questão das mudanças dos "arcabouços institucionais". Na última ata, o BC falou disso, todo mundo entendeu que era um recado da necessidade de mudar a remuneração fixa da caderneta de poupança. Desta vez, ele tocou de leve na questão.

A ata de ontem do Copom traz a avaliação do Banco Central de que: as pressões inflacionárias estão diminuindo, há uma redução do risco de repasse para os preços ao consumidor; o crédito melhorou um pouco, mas sua contribuição para a demanda interna caiu; a crise internacional continuará puxando a economia para baixo; a perda de dinamismo da demanda ampliou a margem de ociosidade da indústria; o cenário de inflação para este ano e o próximo é benigno; e o mercado de trabalho tem dado sinais ambíguos.

Com tudo isso, então, a conclusão deveria ser que os juros podem cair mais fortemente. Mas há outros subtextos na ata que levam os analistas a concluir que eles acham que é melhor ir devagar com o andor porque o santo é de barro. A ata lembra que há uma defasagem entre a queda dos juros e seus efeitos. E como as taxas já foram cortadas nas últimas reuniões, esse efeito benéfico na economia ainda será sentido nos próximos meses. Depois, reforça dizendo que a "expressiva flexibilização" da política monetária desde janeiro terá efeitos cumulativos. Lá pelas tantas, a ata diz "a despeito de haver margem residual para um processo de flexibilização, a política monetária deve manter postura cautelosa". Ou seja, existe margem para queda dos juros, mas o Banco Central acha que é "residual" e vai analisar isso de forma "cautelosa". Mais adiante diz que o novo patamar dos juros será "cuidadosamente monitorado". Com base nisso, os bancos concluíram ontem que os juros só vão cair residualmente e as apostas são sobre quanto mais pode cair.

O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, disse ao repórter Bruno Villas Bôas, do blog (www.miriamleitao.com), que não ficou claro qual é o piso para a queda dos juros, mas que o piso existe entre os membros do BC. Ele chama a atenção para a parte da ata que diz que "na reunião houve convergência entre os membros do comitê quanto as estimativas" da flexibilização monetária e o "espaço existente para a distensão residual". Eles divergiram sobre o tamanho do último corte, mas convergem sobre até que ponto os juros podem cair.

Vários produtos financeiros na área de previdência complementar podem ser afetados pelo novo patamar de juros. Essa indústria cresceu muito nos últimos dez anos mas com produtos construídos através de engenharia financeira que contemplava uma taxa de juros bem mais alta. Outras questões terão de vir à tona, como as taxas de administração de produtos como a previdência complementar. Ontem, em entrevista na Globonews, o presidente da Brasilprev, Tarcísio Godoy, me disse que 70% das novas contratações de previdência complementar têm taxas de 0,7% a 2%, mas admitiu que só para as grandes aplicações. Nas pequenas aplicações, as taxas continuam sendo da ordem de 3%. Num país com juros reais de 5%, o consumidor verá com mais clareza a distorção que representa uma taxa desse tamanho.

A queda dos juros para abaixo de 10%, ainda que continue sendo uma taxa alta em qualquer país do mundo, pode produzir aqui uma série de consequências. Um dos efeitos pode ser o desestímulo a poupar, num país que já poupa pouco, alerta o economista Edward Amadeo, na entrevista de ontem da Globonews.

A queda mexe com comportamentos, estruturas de taxas de administração dos produtos financeiros, cálculos de remuneração de produtos da previdência complementar, estatutos de fundos de pensão. Tudo isso estará em debate no futuro. São problemas bons, repetiu Tarcísio Godoy. De fato, bons problemas advindos da queda das taxas de juros para um dígito, patamar que foi atingido - é sempre bom lembrar - não por causa da crise internacional, mas pela sucessão de mudanças, reformas e conquistas feitas nos últimos vinte anos na economia brasileira.

Por mais que pareça pedante uma ata do Copom, com seus preciosismos, parcimônias, cautelas; por mais esquisito que pareça para a pessoa comum o debate dos economistas sobre o "hiato do produto", o fato é que até esse ritual de reunião do Copom, suas atas e relatórios de inflação são parte do processo que nos trouxe até aqui. Pior, muito pior é a interferência direta no Banco Central para definir taxas de juros. Isso já ocorreu no passado e não deu certo.

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