A crise no Senado tem produzido como efeito colateral uma discussão que já se tornou recorrente no governo Lula sobre o papel da mídia e sua repercussão na opinião pública. O presidente do Senado, José Sarney, se proclama vítima de uma perseguição dos grandes meios de comunicação, assim como fez o senador Renan Calheiros quando coube a ele enfrentar uma série de acusações que o tiraram da presidência do Senado. Quando o deputado Sérgio Moraes disse que estava "se lixando" para a opinião pública, repetia a postura de um outro deputado, Roberto Brant, que, para se livrar da cassação pela participação no mensalão, fez um discurso de defesa na tribuna da Câmara onde advertiu seus pares para que tivessem cuidado "com o monstro da opinião pública".
Pediu que pensassem "apenas no povo", no pressuposto, muito em voga no atual governo, de que a "opinião pública" representa apenas uma parcela de elite da sociedade, e não os cidadãos de maneira geral.
A tese tem respaldo no comportamento do próprio presidente Lula, que se orgulha de ter um canal direto com o povo que dispensaria a intermediação das elites, políticas ou intelectuais.
Essa posição é uma distorção da própria gênese da "opinião pública", ligada ao surgimento do Estado moderno, onde as forças da sociedade ganham espaço para suas reivindicações contra o absolutismo do reinado. A popularidade de Lula hoje lhe dá essa sensação de poder absoluto.
Daí a desqualificar a grande imprensa e querer influenciar diretamente o eleitorado, sobretudo o das regiões mais pobres do país, através dos programas assistencialistas, e a tentativa de controle da mídia regional através de verbas de publicidade, é um passo.
A tese de que as novas tecnologias, como a internet, o twitter e as redes sociais de comunicação, seriam elementos de neutralização da grande imprensa é contestada por especialistas e por pesquisas.
O jornal "The New York Times" publicou recentemente uma pesquisa, realizada por especialistas das universidades de Cornell e Stanford, que afirma que uma notícia torna-se tema de um jornal impresso duas horas e meia antes de se tornar assunto dos blogs na internet, o que confirmaria a tese de que a internet é a "caixa de ressonância" da grande imprensa, de quem precisa para se suprir de informação.
O jornalista Carlos Castilho, especialista em novas tecnologias, escreveu sobre essa pesquisa no Observatório da Imprensa, mas registrou uma outra, do jornalista Bill Wasik, editor sênior da revista "Harpers", que lançou na semana passada o livro "And Then There"s This" (E então isto aconteceu, em tradução livre) onde afirma que uma notícia circula com mais velocidade na internet quando "pode ser usada para reforçar a artilharia verbal de grupos em confronto".
Parece haver um consenso entre os estudiosos, como Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas, especialista em novas mídias: "Não é uma coisa ou outra, mas uma coisa e outra", diz ele, acrescentando que "a criação dessa grande praça pública onde as pessoas conversam e são ouvidas não significa que a mídia tradicional vá desaparecer. O sistema de mídia da era industrial está se adaptando ao sistema da era digital, que é um ecossistema mais horizontal, ao contrário da verticalidade da outra época".
Ele lembra que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que levou para a campanha presidencial todos os novos instrumentos de comunicação de massa, abriu um precedente importante quando deu espaço para repórteres de blogs fazerem perguntas pela primeira vez nas entrevistas coletivas. "Mas a mídia tradicional tem precedência sempre que ele quer tratar de assuntos de interesse imediato", ressalta Rosental.
Aqui no Brasil, o próprio Lula, que se vangloria de ter um contato direto com o povo sem depender da intermediação dos grandes meios de comunicação, resolveu escrever uma coluna "O Presidente Responde" justamente para jornais.
O cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do best-seller "A Cabeça do Brasileiro", acha que o que tem acontecido é que a mídia nacional tem pautado a internet mais lida. Ele considera "um caso à parte" o "Jornal Nacional", da Rede Globo, "que atinge todo mundo".
"Esse processo de transição não acontece do dia para a noite, e no momento que vivemos no Brasil a imprensa tem sido fundamental", diz Almeida.
Ele faz uma distinção: "A repercussão das denúncias atinge a elite política e uma parcela do eleitorado da classe média e das cidades maiores. O grosso do eleitorado tem acesso às informações através da mídia popular, onde as notícias politicas têm peso relativo menor".
Isso acontece, segundo sua interpretação, pelo peso que o cidadão dá aos acontecimentos. "No Nordeste, como o cidadão é mais pobre na média, dá menos peso à crise do Senado, por exemplo, na avaliação dele do governo. Nas cidades mais dinâmicas, o eleitor já está mais atento a certos valores morais e éticos. Uma soma de mensalão e denúncias da imprensa mais o Bolsa Família mudou o perfil eleitoral do Lula", analisa.
Já Miguel Darcy de Oliveira, que trabalha com redes de ONGs em comunidades carentes, não crê que se possa falar num contraste rígido entre "uma opinião pública minoritária e uma maioria de desinformados e deseducados".
De alguma maneira, diz ele, a informação alcança um grande número, e exemplifica com a votação de Gabeira para prefeito do Rio que foi "muito além das faixas bem informadas da população". Da mesma forma, diz ele, "os altíssimos índices de aprovação de Lula tampouco podem ser atribuídos à falta de informação da população".
Miguel Darcy de Oliveira acha que "o desafio é entender como a informação chega aos deseducados e é por eles processada". (Continua amanhã)
Nenhum comentário:
Postar um comentário