segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Luiz Carlos Bresser-Pereira:: O Muro de Berlim e a crise financeira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Comemoremos a queda do Muro, mas não nos deixemos enganar pelos radicais, sejam eles liberais ou socialistas

HOJE O mundo comemora os 20 anos da queda do Muro de Berlim. Nesse dia, uma revolta popular marcou o triunfo da democracia sobre o autoritarismo e a vitória do capitalismo sobre o estatismo. Essa dupla vitória, porém, levou o pensamento convencional do mundo desenvolvido a um duplo equívoco: supor que o mercado poderia substituir o Estado na coordenação da economia e supor que o ideal do socialismo fora definitivamente afastado.

O segundo erro não teve consequências maiores para o que se seguiu no mundo. A ideologia liberal ganhou um ponto em relação à socialista -o ideal da liberdade se sobrepôs aos ideais da igualdade e da solidariedade-, mas isso não significa que as sociedades modernas tenham abandonado os dois últimos.

Já o primeiro erro, que se consubstanciou no neoliberalismo, teve consequências negativas sobre o capitalismo vitorioso. O capitalismo venceu porque a coordenação pelo mercado é muito superior à coordenação por um modelo planificado depois (não antes) que uma sociedade tenha realizado sua acumulação inicial de capital e se industrializado. Mas isso não significa que sem regulação firme pelo Estado os mercados possam realizar sua tarefa de alocação de recursos e seu papel de criar oportunidade para empresários inovadores fundarem empresas, descobrirem mercados e impulsionarem a economia.

Se 1989 foi um marco histórico, 19 anos depois a Crise Financeira Global foi outro. Ela demonstrou a que excessos nos levou o triunfalismo liberal transformado em neoliberalismo.

No pós-Segunda Guerra Mundial, o capitalismo havia assumido um caráter social e democrático; vivemos então os 30 Anos Gloriosos do Capitalismo. Porém, desde o final dos anos 1970, esse grande avanço começou a ser desafiado pelo fundamentalismo de mercado neoliberal.

Nos anos 1990, apoiado na hegemonia política alcançada pelos EUA ao derrotar a União Soviética, o neoliberalismo transformou-se na "verdade única", promoveu a queda dos salários nos países ricos e a diminuição das oportunidades de investimento para os empresários, enquanto aumentava os bônus dos financistas e as rendas dos capitalistas rentistas vivendo de juros, aluguéis e dividendos. Causou, assim, o aumento da desigualdade ao mesmo tempo em que provocou sucessivas crises financeiras tanto nos países ricos como nos de renda média -crises que terminaram tristemente na grande e duradoura crise atual.

Comemoremos, portanto, a queda do Muro de Berlim, mas não nos deixemos enganar pelos radicais, sejam eles liberais, sejam socialistas. Estes fizeram revoluções que produziram sofrimentos e não resultaram no socialismo; aqueles se deixaram levar pelo neoliberalismo, promoveram a redução das taxas de crescimento quando comparadas com os 30 Anos Gloriosos e apenas beneficiaram os 2% mais ricos da população.

As ideologias não são mais simples falsa consciência como eram no tempo de Marx e Engels.

Ao descobri-las e denunciá-las, esses grandes pensadores afinal as tornaram sistemas de valores e crenças políticas conscientes e respeitáveis porque associados a objetivos fundamentais: a liberdade, para os liberais; a igualdade e a fraternidade, para os socialistas.

No momento, porém, em que as ideologias se tornam radicais, o sistema de concessões mútuas que está na base da política e, portanto, que define as sociedades democráticas passa a correr perigo. Tanto a queda do Muro de Berlim como a Crise Financeira Global nos servem de advertência.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

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