domingo, 22 de agosto de 2010

Governo faz do Ipea máquina de propaganda

DEU EM O GLOBO

Ao custo de aumento de gastos com passagens, diárias e novos escritórios.

O Ipea transformou-se numa máquina de propaganda do governo, com alto custo para os cofres públicos. Entre 2007 e 2009, os gastos com diárias aumentaram 339,7% (de R$ 133,8 mil para R$ R$ 588,4 mil) e com passagem subiram 272,6% (de R$ 333 mil para R$ 1,241 milhão). Estudos são produzidos para exaltar realizações do governo Lula e têm sido usados na campanha de Dilma Rousseff. Procurado na quinta pelo GLOBO, o Ipea vazou em seu site, na sexta, perguntas e respostas à reportagem que só seria publicada hoje.

Uma máquina de alto custo

Ipea eleva gastos com diárias, passagens e estrutura e faz propaganda do governo, com levantamentos usados pela campanha de Dilma

Regina Alvarez

BRASÍLIA - O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) transformou-se numa máquina de propaganda do governo e braço de articulação de uma política externa movida pela ideologia, deixando em segundo plano sua missão primordial. E quem banca essa mudança de rumo são os cofres públicos. A máquina montada pela atual gestão consome milhões em recursos do orçamento federal em viagens, comunicação e pessoal terceirizado.

Entre 2007 e 2009, os gastos com diárias aumentaram 339,7%, e as despesas com passagem, 272,6%.

As despesas com diárias passaram de R$ 133,8 mil em 2007 para R$ 588,4 mil. E os gastos com passagens pularam de R$ 333 mil para R$ 1,241 milhão no período. Só este ano já foram gastos R$ 419 mil com diárias, 71% do total de 2009.

Estudos são produzidos sem rigor técnico e acadêmico para exaltar as realizações e políticas do governo Lula e têm sido usados fartamente na campanha da candidata oficial, Dilma Rousseff.

Em julho, o instituto divulgou uma nova abordagem de estudo publicado em janeiro sobre uma das bandeiras da campanha de Dilma, a erradicação da miséria extrema do país em dez anos, em operação casada com o comitê da candidata.

Um outro estudo divulgado este mês, sobre a influência dos municípios no PIB, defende a ampliação de programas do governo Lula incluídos nas propostas de Dilma, para reduzir desigualdades regionais.

O instituto também utilizou sua equipe de pesquisadores para defender teses controversas. Como, por exemplo, que os trabalhadores do setor público ganham menos do que os do setor privado. Ou que a produtividade no setor público aumentou mais que no setor privado.

Neste caso, o comunicado do Ipea omite que a produtividade no setor público decorre dos altos salários e que, pelo critério usado, o órgão mais produtivo no setor público é o Senado Federal.

Reforço com novos pesquisadores

Para produzir estudos como esses, que dão respaldo à política de pessoal do atual governo, o Ipea reforçou substancialmente seus quadros de pesquisadores, com a realização de concurso público e contratação de terceirizados. Entre 2007 e 2009, os gastos com bolsas para pesquisa cresceram 671%, passando de R$ 960 mil em 2007 para R$ 7,5 milhões em 2009.

O auxílio financeiro a pesquisadores terceirizados aumentou 125,6% em apenas um ano, pulando de R$ 308 mil em 2008 para R$ 695 mil em 2009.

Quem não se enquadra na nova orientação é afastado ou posto na geladeira, como aconteceu com o Núcleo de Macroeconomia do Rio.

Um exemplo recente é a colocação de 11 pesquisadores com duas décadas de serviços prestados ao órgão em um quadro de carreira em extinção, com prejuízos financeiros e impossibilidade de qualquer ascensão dentro do órgão. O Ipea nega perseguição política e diz que está cumprindo a lei, mas o procedimento está sendo questionado internamente e na Justiça.

O instituto inaugurou este ano escritórios em Caracas, na Venezuela; e em Luanda, capital de Angola.

Perguntado sobre a relação entre essas iniciativas e a sua missão, que é produzir, articular e disseminar conhecimento para aperfeiçoar as políticas públicas e contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro, o Ipea respondeu que a realização de missão no exterior se fundamenta na competência do Ipea (...) de promover e realizar pesquisas destinadas ao conhecimento dos processos econômicos, sociais e de gestão pública brasileira.

A justificativa para os escritórios, segundo informações de bastidores, faz parte da política de estreitamento de relações com governos amigos, como o do venezuelano Hugo Chávez. Não por acaso, a sede do escritório do Ipea em Caracas foi instalada nas dependências da PDVSA, a estatal de petróleo do governo venezuelano.

Oficialmente, o Ipea informa que são representações para apoiar a articulação de projetos de cooperação com países em desenvolvimento.

O objetivo dessas missões é de prestar apoio técnico a instituições e/ou organismos governamentais de outros países. Esses projetos fazem parte de um processo amplo do Ipea de fomentar a cooperação internacional. Na esteira dessa política, o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, e diretores fizeram 15 viagens para Caracas, Cuba e Luanda, nos anos de 2009 e 2010.

Os gastos com comunicação também não param de crescer.

No Orçamento de 2010, estão previstos R$ 2,3 milhões para esse fim. No momento, o Ipea tem contratos com empresas de comunicação e marketing no valor de R$ 4,5 milhões.

A revista Desafios, uma das publicações do instituto, também serve ao propósito de divulgação dos feitos do governo e das linhas da política externa. A última edição dedicou 13 páginas a uma entrevista com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

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