segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Oito anos de mutismo :: Paulo Brossard

DEU NO ZERO HORA (RS)

O que sucedeu semana passada não teve paralelo. Sem exagero, mortes e destruição de bens na via pública, às escâncaras, estamparam uma situação que, se gostasse ou não, era peculiar à guerra; tratava-se de guerra civil. A atividade ilícita tinha como sede o Complexo do Alemão, na antiga capital do país. A geografia recomendava o local. Além dela, a desordem urbanística também contribuía para a proteção da empresa. Como se fora a coisa mais natural do mundo, a guerra iniciada sem formalidades prosseguiu regularmente e se tornou claro que a polícia seria impotente para impedir a marcha do caos; ao que sei, a autoridade local pediu socorro à força militar e esta, dada a evidência dos fatos, se fez presente com louvável presteza. A despeito de todas as dificuldades locais e até da singularidade da espécie, com moderação e competência, em pouco tempo, as forças militares evidenciaram sua superioridade em face de insurreição armada.

E o resultado foi a revelação pública do verdadeiro empório das drogas existente e a quantidade de armamento de todo o tipo, inclusive pesado. Aproveitando-se das circunstâncias, muita gente ligada ao crime escapuliu, mas a documentação do fenômeno desvendou o fato, tornando-o incontestável. De qualquer sorte, ficasse muito por fazer, os resultados foram muitos e de inapagável benemerência.

A guerra civil que irrompeu no Complexo do Alemão desvendou de maneira irrefutável a existência de manchas nos limites territoriais do país, a indicar a impermeabilidade delas ao poder estatal; as barreiras obstavam o acesso de leis da República e da autoridade federal, estadual e municipal, e até dos direitos e garantias individuais e sociais assegurados a brasileiros e estrangeiros aqui residentes. Ou seja, dentro das fronteiras do território nacional, existem áreas à semelhança de ilhas a coexistirem ou se justaporem com o que está sujeito dos poderes constitucionais. E isto na cidade do Rio de Janeiro. No complexo mencionado, foram apreendidas toneladas de drogas e armamento de toda espécie. O que poderia ser crime em qualquer ponto do território nacional seria permitido no Complexo do Alemão e em outros lugares do “morro” ou dos “morros” que circundam a Cidade Maravilhosa.

O presidente Luiz Inácio, que andou por terras daqui e d’além mar, de seca e meca a olivais de Santarém, não sabia o que era o Complexo do Alemão, nem seus amigos devotados e ministros ilustres lhe disseram uma palavra a respeito? O certo é que dele a nação nunca ouviu uma palavra acerca do formidável empório de que é exemplo o “complexo”, nenhum ato dele a nação teve ciência a respeito da imunidade do crime em alta escala nele estabelecido e em variadas espécies; oito anos se passaram e foram oito de mutismo absoluto.

Outrossim, o tráfico de drogas se processa em proporções quantitativamente ignoradas, mas sabidamente originárias das bandas bolivarianas, e os países que as integram continuam a ser tratados a “vela de libra”, mesmo quando rompem acintosamente contratos celebrados com o Brasil, como fez a Bolívia, com o relativo ao fornecimento de gás.

Se é certo que esse tráfico passa pelo Brasil e demanda outros continentes, também é certo que ele abastece o consumo brasileiro, e não se vê uma medida que objetive enfrentar a atividade criminosa.

Para encerrar, lembro que ao Brasil repugna historicamente a pena de morte, só a admitindo em caso de guerra externa, no entanto, segundo a “lei do morro” a pena de morte é aplicável em processo sumário e sem recurso. Suponho ter dito o suficiente para exprimir a suma gravidade do caso vindo à tona com a guerra iniciada no Complexo do Alemão, sem chamar a atenção do versátil presidente da República, que apregoa ser o maior e melhor presidente de todos os tempos.


*Jurista, ministro aposentado do STF

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