quinta-feira, 17 de março de 2011

Sol levante :: Míriam Leitão

A tragédia humana é sempre maior, mais importante e dolorosa do que qualquer efeito econômico. Com esta noção e respeito é que trato neste espaço das consequências na economia do triplo inesperado japonês: terremoto-tsunami-acidente nuclear. É difícil medir o efeito porque ele se espalha de forma sistêmica, mas já se sabe que as perdas são gigantes e sequenciais.

Há a perda inicial da devastação da infraestrutura de produção de energia, de empresas e instalações industriais, de portos e estradas. Há uma perda da paralisia da produção de inúmeras empresas que estão na cadeia produtiva mundial, com a globalização. O Japão, por ter se especializado em equipamentos de alta tecnologia, é a peça-chave em inúmeros novos produtos, como o iPad 2, e a interrupção da produção e do escoamento atingiu mesmo áreas não afetadas pelos sinistros. Há a perda do racionamento de energia. Há o custo direto e indireto. Por ser país desenvolvido com um alto índice de bens assegurados, qualquer evento no Japão afeta diretamente a indústria de seguros, que terá, pelo que se calcula até agora, um dos maiores custos da História.

A economia japonesa está há décadas com baixo crescimento, mas isso não a faz menos importante. Só com a China, seu comércio é de US$300 bilhões. Isso é 10% do comércio chinês, mas é mais importante para o Japão do que para a China. Porém o problema novamente é a cadeia de suprimentos: do Japão, a China compra inúmeros produtos que compõem sua produção para a exportação, principalmente de eletroeletrônicos. Na área siderúrgica, estima-se que 20% da capacidade produtiva japonesa esteja comprometida. O país é importador de petróleo, mas é exportador de derivados. Sua capacidade de refino foi afetada, e os preços da gasolina no mercado asiático já estão com tendência de alta.

O professor Alexandre Uehara, das Faculdades Integradas Rio Branco, explica que a diferença da tragédia atual de outros eventos envolvendo terremotos é o impacto energético. Cerca de 30% da produção de energia elétrica do Japão tem como origem a fonte nuclear, e até mesmo usinas termelétricas foram afetadas. O impacto econômico é grande e o Banco Central japonês já indica que o país passará por dois trimestres consecutivos de retração econômica.

- O Japão está sofrendo uma crise energética. Temos um efeito cascata, com outras usinas nucleares paralisadas. Montadoras foram obrigadas a interromper a produção e não há perspectiva de se normalizar o fornecimento de energia. O BC japonês fala de recuperação a partir do quarto trimestre. Isso, levando em conta o cenário de o país voltar à normalidade e de não haver problemas grandes de radiação - afirmou.

Uehara explica que somado ao problema energético acontece o gargalo logístico. Com uma economia totalmente integrada, a cadeia produtiva japonesa se especializou em fornecimentos imediatos, sem a prática de formação de estoques. Com o terremoto, toda essa logística foi afetada e isso quer dizer que as empresas do Sul do país podem sofrer de falta de produtos, mesmo que não tenham sido atingidas diretamente. Outro problema é o alto endividamento do governo, que passa de 220% do PIB. Isso pode dificultar a reconstrução.

- Com o terremoto, mesmo quem quer trabalhar pode não conseguir. O Sul do país, mais industrializado, tem dependência do Norte por matérias-primas. A dívida pública também é entrave à reconstrução. O ponto positivo é que ela é doméstica, feita pelo governo com os próprios bancos japoneses - explicou.

Rodrigo Maciel, da Strategus Consultoria, estima que haverá efeitos sobre a economia chinesa porque o Japão é um dos principais parceiros comerciais da China. O risco é de um aumento de custos na produção, por falta de insumos e componentes para as indústrias chinesas.

- O Japão, ao lado de outros vizinhos asiáticos como Coreia do Sul e Taiwan, é um importante fornecedor de componentes e insumos eletrônicos para a linha de montagem chinesa, que, depois, exporta o produto final para o resto do mundo. O custo de produção na China, que vem sofrendo com os aumentos da energia e dos preços das commodities, poderá subir ainda mais para esses setores - afirmou.

O Itaú Unibanco acha que a economia mundial pode ser afetada pela crise japonesa por diversos canais: menor crescimento japonês; diminuição do comércio global; queda nas bolsas; aumento de custos com energia, principalmente por causa do petróleo, promovendo inflação. O resultado pode ser um PIB mundial mais fraco este ano.

O mercado "precifica" esses riscos, como se diz na linguagem das instituições financeiras, e por isso as bolsas estão em queda. Ontem, a Bolsa de Tóquio subiu, mas o índice americano S&P500 caiu e zerou os ganhos que tinha no ano. O efeito de um evento dessa envergadura, e ainda em curso, é difícil de quantificar. Após as três tragédias japonesas, a economia continuará nos próximos dias fazendo as contas do estrago em perda de investimento, paralisação da produção e do comércio, aumento do grau de incerteza. Só uma certeza se tem nestes primeiros dias de angústia: o mundo pode contar com a extraordinária capacidade de superação do povo japonês.

Como sempre, o sol se levantará no extremo oriente.

FONTE: O GLOBO

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