Geralmente atrapalhada e ineficaz, a oposição marcou ontem um ponto em favor da função fiscalizadora que lhe foi atribuída pelas urnas: ouviu reservadamente o policial que acusa de corrupção o ministro do Esporte e propôs à Câmara que o faça publicamente.
Os partidos governistas, que participavam de uma sessão em tese convocada para questionar o ministro Orlando Silva, ficaram diante de um desconfortável dilema: aceitar e assumir os riscos decorrentes ou recusar e admitir que a ideia nunca foi esclarecer coisa alguma, mas apenas repetir a cenografia de saudações laudatórias de sempre.
Os deputados oposicionistas dizem que João Dias Ferreira, o denunciante, fez um relato consistente e ainda mais abrangente sobre as denúncias. Pode ser e pode não ser, mas por ora a vítima é sempre a primeira atingida: a verdade.
Os governistas, assim como o ministro Orlando Silva, desqualificam o "delinquente" (no que não contam novidade), mas não desmontam as denúncias.
Portanto, a situação é de palavra contra palavra. E, nesse caso, a maneira transparente de firmar um compromisso com a verdade seria promover a confrontação das palavras.
Falou-se muito na sessão de ontem em defesa da democracia. Ao mesmo tempo, os governistas buscavam escapar da sinuca em que foram postos pela oposição insinuando que o Parlamento não poderia equiparar um ministro a um molambo qualquer. Muito menos a um acusado de corrupção.
Incorrem em dois tipos de contradição: agridem o princípio democrático da igualdade dos cidadãos e vários contrariam o próprio comportamento reverente em relação a réus processados por corrupção que estão pontificando por aí.
Como tantas outras convocadas para dar a ministros a chance de se defender, a sessão de ontem foi inócua. Orlando Silva mais ouviu (elogios) que falou. A base governista deu sinais de que não pretende abrir espaço ao denunciante, desmontando o discurso do ministro de que não tem nada a temer.
Assim é. A presidente Dilma Rousseff não gostou quando os jornalistas a abordaram sobre as denúncias de corrupção contra o ministro do Esporte.
"De novo?" Dilma ficou irritada com a insistência dos repórteres em saber qual era sua expectativa em relação ao depoimento do ministro na Câmara.
A presidente cumpre, na África, mais uma etapa do roteiro de viagens nacionais e internacionais montado pelo Palácio do Planalto para atender à "demanda reprimida" durante o período em que Dilma esteve dedicada a atividades internas.
A ideia é fazê-la protagonista das boas notícias, mas a vida costuma cobrar contas em aberto.
Daí é que a presidente precisa sim, de novo, depois de quatro ministros demitidos por condutas suspeitas, voltar ao assunto que preferia ver encerrado.
Refazendo. O acusador do ministro Orlando Silva relata como o dinheiro do Ministério do Esporte era desviado para o PC do B e, em poucas palavras, explica a razão do interesse dos partidos em ocupar a máquina pública.
"Você protocola o projeto, passa para análise, depois passa por um diretor no ministério, em seguida vai para o jurídico e aí entra o partido para negociar." Segundo ele, 20% do valor do convênio vai para os cofres partidários.
Só acontece no PC do B? A realidade mostra que a prática de arrecadação de fundos mediante o desvio de dinheiro público para uso particular é geral e consagrada.
O que foi o mensalão? Guardadas as proporções, a mesma coisa. Semelhante até na motivação do denunciante. "Me acharam com cara de mané", disse Dias Ferreira na entrevista de ontem ao Estado, na qual relatou que resolveu denunciar o esquema porque ministro e equipe tentaram ludibriá-lo fraudando um documento que o responsabilizava por desvios.
José Dirceu e companhia também acharam Roberto Jefferson com "cara de mané", quando tentaram imputar exclusivamente ao PTB uma série de irregularidades que ocorriam nos Correios.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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