segunda-feira, 18 de junho de 2012

Até prova em contrário:: Wilson Figueiredo

O mês de agosto, já no horizonte, terá pela frente, no seu primeiro dia, as expectativas acumuladas pelo mensalão, desde o primeiro mandato presidencial do PT, como se não fossem suficientes a morte de Getulio Vargas, em 1954, e a renúncia de Jânio Quadros, em 1960, para se dar por encerrado o ciclo republicano começado em 1930. Depois de tudo, sendo o Brasil atual o de sempre, pretendeu o petismo oficial ter passado a limpo o país, e lançou as bases de uma paródia de social-democracia envergonhada e esboçada às pressas por uma carta aos brasileiros, com a qual Lula se apresentou como fiador.

Um ano presidencial completo e alguns meses do outro, confiados à Dilma Rousseff, não alteraram a trapalhada em que se meteu o PT, assim que se instalou no governo com disposição declarada de permanecer não menos de uns vinte anos. Apanhado, porém, com a boca na botija, e mal agradecido à social-democracia pela oportunidade da reeleição, doença terminal ao ver dos fundadores da República e ponto de partida para o desconhecido, os militantes petistas não atinaram com a saída e acabaram encurralados pelas más companhias no convívio parlamentar.

Aconteceu, mas ninguém disse com clareza como foi que o mensalão se estabeleceu e prosperou sem que o presidente Lula assumisse sua cota de responsabilidade política. É que ele delegava as questões pendentes a José Dirceu, na condição de delfim da República liberada do passado e com o futuro ao seu dispor. O sistema embutido de distribuição restrita de renda em nível parlamentar não deu para todos, o segredo veio a público e deixou de ser um método de enriquecimento sem chamar a atenção. Parlamentares ávidos se esquecem de que dinheiro por fora não tem garantia e que os bens adquiridos por esse meio não são invisíveis.

Um dia, ninguém sabe como nem por que, a história regurgitou pelo ralo. Veio a público a versão de que a República se sustentava com dois orçamentos, um para ela e outro para os neorrepublicanos em tempo integral e dedicação exclusiva. Um mandato inteiro depois, Lula, reeleito, não teve, nem queria, paz de consciência para exercer o poder. Não perdia de vista o terceiro governo, que escapou aos seus descuidos fatais. Não estava preparado para as funções presidenciais não escritas. O segundo mandato dele, à sombra do mensalão, sem o fiel escudeiro José Dirceu — que deixou o cargo de primeiro-ministro de fato e foi ver navios no que parecia naufrágio com o perfil do Titanic. Lula ficou exposto à própria imprudência pela qual paga até hoje, a perder de vista, prestações módicas.

O ex-presidente gastou o segundo mandato em atividades múltiplas à sombra do que era apurado sem alarde e, no vazio deixado pela impossibilidade do terceiro mandato, não se perdeu, mas também não se encontrou . Nem com Dirceu, que sofre de insônia cívica, sem merecer de Lula o resgate da consideração que o ex-presidente esbanjou enquanto se preparava o ato final do mensalão.

Não é exagero dizer que dois Lulas se apresentaram no segundo mandato, mas não se encontraram até hoje na controvertida matéria relativa ao mensalão: disse aos promotores públicos que havia sido informado sobre o mensalão e, quando o assunto se encaminhou para o julgamento, o ex presidente se lembrou de que não havia sido informado. Um caso típico de duplo testemunho.

A questão finalmente deixou de ser o fato do qual o ex-presidente Lula foge, como dizem que o diabo corre da cruz, no mês de agosto, que não dá colher de chá a ninguém que tenha contas a ajustar com a opinião pública. Enquanto a expectativa do que vai acontecer — e do que não vai chegar a tanto, como de hábito — junho se esgota sob a aflição dos denunciados, sem esquecer a cota brasileira de dificuldades com prazo de vencimento em agosto. Finalmente, vai ser servido ao respeitável público contribuinte o espetáculo diferente do que ocorria em Roma, onde não havia comissões parlamentares de inquérito: sem pressa, chega-se ao último ato, considerando que se trata — afinal de contas — de julgamento político, até prova em contrário.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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