As investigações da Operação Porto Seguro, que penetraram a intimidade de
Lula ao revelar os desmandos de sua companheira e ex-chefe de gabinete em São Paulo,
parecem ter tocado um ponto sensível da onipotência do Grande Chefe, que
finalmente acusou o golpe e mobilizou a tropa. Num mesmo dia, três expoentes do
lulopetismo apelaram ao melhor argumento de defesa que o PT conhece: o ataque.
O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto
Carvalho; o presidente nacional do partido, Rui Falcão; e o condenado chefe de
corruptores José Dirceu entoaram o coro cínico: corrupção havia durante o
governo FHC; hoje o que existe é investigação implacável de todas as denúncias.
Mais: os partidos que combatem o governo do PT sofreram mais uma "dura
derrota" nas urnas de outubro, por isso, cada vez mais a oposição passa a
ser exercida pela "mídia monopolizada e o Judiciário conservador".
Gilberto Carvalho falou em seminário realizado na segunda-feira em Brasília:
"As coisas agora não estão mais debaixo do tapete. A PF e os órgãos de
vigilância e fiscalização estão autorizados e com plena liberdade para agir.
(...) No governo FHC não havia (autonomia). Agora há". Assim, segundo o
raciocínio do amigo de Lula, "pode parecer" que hoje há mais
corrupção, mas o que existe "é autonomia e independência das
instituições". A inconformidade irada dos petistas com o julgamento do
mensalão pelo STF define claramente o conceito de "autonomia e
independência das instituições" cultivado pelo PT.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reagiu com firmeza ao ataque de
Gilberto Carvalho: "Este senhor deveria respeitar o passado e não dizer
coisas levianas". Mencionou o trabalho de reestruturação da PF realizado
durante seu primeiro mandato e citou exemplos de ações policiais de ampla
repercussão contra poderosos de então, como o senador Jader Barbalho e a
governadora Roseana Sarney.
No Rio de Janeiro, durante encontro de prefeitos e vereadores petistas, Rui
Falcão seguiu na mesma linha do ministro Carvalho, garantindo que "ninguém
mais do que os governos Lula e Dilma combateu mais corrupção e tráfico de
influência". Dilma, pelo menos, tem sido implacável com quem é pego com a
boca na botija, como sabem vários ex-ministros e a protegida de Lula, Rosemary
Noronha. Mas isso, para muitos petistas, tem sentido literal: o feio é ser
pego, não é malfazer.
Mas Falcão foi mais longe. Fez questão de dramatizar as dificuldades que o
"sistema" impõe ao governo: "Não dá para avançar no Brasil sem
uma reforma do Estado que pegue a questão da mídia monopolizada e o Judiciário
conservador". E lamentou: "Não é possível ter mais democracia no
Brasil com o atual sistema político-eleitoral, sobretudo se não se conquistar o
financiamento público de campanha".
É difícil de entender o presidente do partido que governa o País com 80% de
apoio parlamentar, e que está há 10 anos no poder, queixar-se de que "não
dá para avançar" e de que a democracia que temos é pouca. Não há quem
discorde de que o Brasil necessita de uma profunda reforma política. Mas o que
é que Rui Falcão e seu partido hegemônico fizeram para isso nesses dez anos? A
resposta é pura retórica vazia: tudo é culpa da "oposição real", que
"é aquela que reúne grandes grupos que se opõem a um projeto de
desenvolvimento independente, que se opõem ao avanço da revolução democrática e
que têm, para vocalizar seus interesses, uma certa mídia que tem partido, tem
lado, e que permanentemente investe contra nós".
José Dirceu engrossou o coro falando a sindicalistas em Curitiba. Garantiu
que mesmo atrás das grades "a luta continua", porque "o poder
começa a se deslocar para o outro lado da praça (dos Três Poderes), onde está o
Judiciário, e para os grupos de comunicação".
Quando a situação aperta, Lula convoca o velho PT bom de briga. Aquele que
em 2002, na campanha presidencial, divulgou um filmete de um minuto criado por
Duda Mendonça, em que ratos saem da toca para roer a bandeira do Brasil:
"Xô corrupção! Uma campanha do PT e do povo brasileiro". E o áudio,
dramático: "Ou a gente acaba com eles ou eles acabam com o Brasil".
Quem diria!
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