O que está em debate nas derradeiras reuniões do julgamento do mensalão não
é a prevalência da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o Legislativo, mas
se parlamentares condenados merecem ou não perder direitos políticos, além das
penas já aplicadas. Não há como colocar em dúvida que a última palavra sobre
questões constitucionais é do STF, até mesmo "o direito de errar por
último", como disse Rui Barbosa.
Há diversos políticos condenados que continuam até hoje de posse de seus
mandatos, pois o artigo 55 da Constituição determina que, entre outros casos,
perderá o mandato o deputado ou senador "que sofrer condenação criminal em
sentença transitada em julgado". No caso do deputado federal Asdrúbal
Bentes, do PMDB do Pará, acusado de trocar laqueaduras por votos em Marabá, o
acórdão demorou quase dez meses para sair no Diário da Justiça, e falta o STF
analisar o embargo infringente da defesa. Outro deputado, Natan Donadon, do
PMDB de Roraima, condenado por peculato e formação de quadrilha, está há quase
dois anos aguardando decisão do STF sobre um embargo de declaração de sua defesa,
embora esteja condenado a 13 anos de prisão, o que implica regime fechado.
Como os recursos não foram esgotados, a condenação não transitou em julgado
e, portanto, os deputados não perderam seu mandato. Quando se esgotarem os
recursos legais, a perda de mandato será decidida pela Câmara dos Deputados
"por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva
Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada
ampla defesa".
Nenhum deles, no entanto, foi punido com a perda ou suspensão dos direitos
políticos. Nesse caso, diz o mesmo artigo 55: "a perda (do mandato) será
declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de
qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso, assegurada
ampla defesa". Quer dizer, ao perder direitos políticos, o parlamentar
perde automaticamente o mandato, sem que seja necessário pronunciamento do
plenário.
O relator Joaquim Barbosa deixou claro o sentido de seu voto a certa altura
do debate com o revisor Ricardo Lewandowski que, mesmo quando concorda no
mérito com o relator, discorda do procedimento. Barbosa, com uma ponta de
ironia, disse que, "como não poderia deixar de fazer", aplica a lei
penal "tal como ela existe para qualquer cidadão".
Ele diz que se limita a deixar consignado no seu voto que a consequência da
suspensão dos direitos políticos é a perda do mandato. "Vamos comunicar
isso à Câmara, e ela faz o que bem entender. Esta é a minha proposta. Vamos
deixar consignada a perda e se a Câmara decidir que vai proteger este ou aquele
parlamentar, ela que arque com a consequência".
Lewandowski também considera que parlamentares devem ter direitos políticos
suspensos, mas diz que a perda de mandato deve ser decisão da Câmara, o que
contraria o texto constitucional. A crise institucional entre Legislativo e
Supremo só aconteceria se o voto fosse pela cassação do mandato dos deputados,
poder que o STF não tem. Também a Câmara não tem a prerrogativa de interpretar
a Constituição a seu bel-prazer, principalmente depois que o Supremo deu sua
palavra. O ministro Marco Aurélio Mello declarou que "é impensável" o
Legislativo não cumprir uma determinação do órgão máximo do Poder Judiciário.
Caso o PT insista na tese, legal, mas aética, de que o ex-presidente do
partido José Genoino deve assumir mandato no lugar do deputado Carlinhos
Almeida, eleito prefeito de São José dos Campos, teremos uma questão delicada
pela frente. Genoino, condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha,
tem direito a assumir uma cadeira na Câmara por ser o primeiro suplente do PT
paulista.
Pela Constituição, ele pode assumir, pois a sentença não transitou em
julgado, o que só ocorrerá depois da publicação do acórdão com a decisão final
e a análise dos embargos que sua defesa deve impetrar junto ao STF. Nem ele nem
José Dirceu estão na discussão sobre perda de direitos políticos, mas apenas
parlamentares com mandato. Condenados por um colegiado, ficarão inelegíveis. Se
Genoino, mesmo condenado, decidir assumir o mandato de deputado até que a
sentença transite em julgado, estará criando uma situação embaraçosa mais para
a Câmara que para o Supremo.
Fonte: O Globo
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