• Paulo Roberto Costa, no processo de delação premiada, disse às autoridades que a campanha de Dilma em 2010 pediu dinheiro ao esquema de corrupção que ele liderava na Petrobras
Robson Bonin e Hugo Marques - Veja
Desde o fim de agosto, quando começou a revelar os detalhes do megaesquema de corrupção montado no coração da Petrobras, a maior estatal brasileira, o engenheiro Paulo Roberto Costa já deu aos policiais federais e procuradores informações suficientes para abrir dezenas de inquéritos contra políticos e empresários com culpa no cartório. Paulo Roberto passou oito anos à frente da diretoria de Abastecimento. Chegou ao posto em 2004, no governo Lula, e lá permaneceu após a posse de Dilma Rousseff. Ficou até 2012. Paulinho, como era carinhosamente chamado por Lula, foi indicado para a diretoria pelo PP, um dos partidos da base governista. Ele se mostrou tão eficiente aos olhos dos políticos que logo passou a ser apoiado também pelo PT e pelo PMDB.
Há três semanas, VEJA revelou que o ex-diretor da Petrobras havia dado às autoridades o nome de mais de trinta políticos beneficiários do esquema de corrupção. A lista, àquela altura, já incluía algumas das mais altas autoridades do país e integrantes dos partidos que dão sustentação ao governo do PT. Ficou delineada a existência de um propinoduto cujo objetivo, ao fim e ao cabo, era manter firme a base aliada.
O esquema foi logo apelidado de "petrolão", o irmão mais robusto mas menos conhecido do mensalão, dessa vez financiado por propinas cobradas de empresas com negócios com a Petrobras. À medida que avançava nos depoimentos,
Paulo Roberto ia dando mais detalhes sobre o funcionamento do esquema c as utilidades diversas do dinheiro que dele jorrava. Era tudo tão bizarro, audacioso, inescrupuloso e surpreendente, mesmo para os padrões da corrupção no mundo oficial brasileiro, que alguém comparou o esquema a um "elefante voador" — algo pesadamente inacreditável, mas cuja silhueta estava lá bem visível nos céus de Brasília.
A reportagem de VEJA estampada na capa da edição de 10 de setembro passado revelou a mais nítida imagem do bicho. Ninguém contestou as informações. Agora, surge mais um "elefante voador" originário do mesmo ninho do anterior. Paulo Roberto Costa contou às autoridades que, em 2010, foi procurado por Antonio Palocci, então coordenador da campanha da presidente Dilma Rousseff. O ex-diretor relatou ter recebido do ex-ministro um pedido de pelo menos 2 milhões de reais para a campanha presidencial do PT. A conversa, segundo ele, se deu antes do primeiro turno das eleições. Antonio Palocci conhecia bem os meandros da estatal. Como ministro da Fazenda, havia integrado seu conselho de administração. Era de casa, portanto, e como tal tinha acesso aos principais dirigentes da companhia. Aos investigadores, Paulo Roberto Costa contou que a contribuição que o ex-ministro pediu para a campanha de Dilma sairia da "cota do PP" na Petrobras.
Para fecharem negócios com a estatal, as empreiteiras repassavam aos políticos um porcentual que chegava a até 3% do valor do contrato. As comissões eram divididas entre os partidos que apadrinhavam os diretores das áreas com as quais os contratos eram fechados. Cada sigla recebia a sua parte. No caso da diretoria de Abastecimento, o caixa era controlado pelo PP e administrado pelo doleiro Alberto Youssef. Como VEJA já revelou, as propinas arrancadas por Paulo Roberto Costa das empresas eram entregues a Youssef disfarçadas de pagamentos por serviços prestados pelo doleiro, que atuava também como pagador, fazendo o dinheiro chegar aos políticos brindados pelo esquema. A polícia já tem provas contundentes sobre o envolvimento de algumas das maiores empreiteiras do país.
Quando as autoridades quiseram saber se o dinheiro chegou ao caixa de campanha de Dilma em 2010, Paulo Roberto limitou-se a dizer que acionou o doleiro Youssef para providenciar a "ajuda". O ex-diretor disse aos investigadores que não poderia dar certeza de que Youssef repassou o dinheiro pedido pela campanha de Dilma, mas que "aparentemente" isso ocorreu, pois Antonio Palocci não voltou a procurá-lo.
Como diretor, Paulo Roberto era responsável por administrar contratos vultosos da Petrobras. Sob sua alçada estavam, por exemplo, obras de construção de refinarias, aluguel de navios e plataformas e manutenção de oleodutos. Eram negócios que, muitas vezes, passavam em muito a casa do bilhão. Aos policiais e procuradores, o delator contou que não punha a mão na massa. Embora tenha se beneficiado pessoalmente com dinheiro do esquema — que agora, com o acordo de delação premiada, terá de devolver —, ele garante que apenas negociava as comissões e administrava as "demandas" — como a do ex-ministro Antonio Palocci. A operacionalização da propina, em si, era feita por pessoas destacadas por cada um dos partidos envolvidos. Só para se ter uma ideia do volume de dinheiro movimentado pela quadrilha, em apenas uma conta que o ex-diretor da Petrobras mantinha no exterior havia um saldo de 23 milhões de dólares, fruto das chamadas "comissões".
Mesmo que em seu depoimento o ex-diretor não chegue a confirmar se os 2 milhões de reais pedidos foram de fato repassados à campanha presidencial de Dilma Rousseff, a revelação que ele fez às autoridades é de alta gravidade. Independentemente de o dinheiro ter sido repassado ou não. Fica evidente que o PT e o coordenador da campanha presidencial sabiam do esquema de corrupção na Petrobras e tentaram se valer dele.
Os depoimentos foram enviados ao gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A revelação de Paulo Roberto que liga o esquema de corrupção na Petrobras ao caixa da campanha presidencial agora depende do depoimento de outro envolvido. O doleiro Alberto Youssef, o operador da "cota do PP", poderá dizer o que se passou a partir do momento em que o ex-diretor o incumbiu de repassar o dinheiro. O caminho para isso está pavimentado. Na quarta-feira, seguindo os passos de Paulo Roberto, Youssef acertou com o Ministério Público os termos de um acordo de delação premiada, em que pretende contar o que sabe em troca da redução de pena. A decisão do doleiro aumentou ainda mais o nível de apreensão entre os políticos envolvidos no esquema. No papel de responsável pelo caixa clandestino do PP, também cabia a Youssef entregar a propina.
Em junho passado, VEJA mostrou que o escritório do doleiro em São Paulo era um ponto de peregrinação de políticos do PP. Youssef também pode ajudar a polícia a estabelecer outras conexões do esquema. Segundo Paulo Roberto Costa, a diretoria de Serviços, ocupada durante quase dez anos por Renato Duque, ligado ao PT, recolhia comissões que abasteciam exclusivamente o caixa dois do partido e eram administradas por João Vaccari Neto, o tesoureiro oficial. Por meio de sua assessoria, Antonio Palocci disse que conhece Paulo Roberto Costa, mas "em momento algum fez a ele pedido de qualquer natureza". Garante que, em 2010, nem sequer se encontrou com o então diretor da Petrobras e que também "não tinha responsabilidade sobre a área financeira" da campanha. A presidente Dilma, informada sobre as revelações do delator, disse, por meio de sua assessoria, que o tesoureiro da campanha presidencial de 2010 era o deputado federal licenciado José de Filippi: "Todas as doações eleitorais recebidas pela campanha foram relacionadas na prestação de contas dirigida ao TSE. Essa prestação de contas foi aprovada e está à disposição de quaisquer interessados na Justiça Eleitoral". Enquanto isso, os elefantes voadores riscam o céu azul da capital em elegantes manobras aéreas.
Acima de qualquer suspeita
Caso a Justiça homologue o acordo de delação premiada com o doleiro Alberto Youssef, novas e curiosas histórias envolvendo poder e dinheiro deverão eclodir. Em 2011, no primeiro ano de mandato da presidente Dilma, Mário Negromonte chefiava o poderoso Ministério das Cidades, que tinha um orçamento de 22 bilhões de reais. Ninguém nunca prestou muita atenção no que o ministro fazia depois do expediente. Como servidor público, ele implementava programas de construção de casas populares, viabilizava projetos de saneamento e propunha normas para facilitar a vida dos brasileiros. Exemplo: no fim de 2011, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), órgão subordinado ao ministério, editou uma portaria que obrigava as montadoras a instalar sistemas de localização em todos os carros. Bom para os consumidores, bom para as seguradoras, melhor ainda para as empresas credenciadas a realizar o trabalho de monitoramento de veículos. E excelente para Mário Negromonte, que fazia um bico como consultor de investimentos.
Nessa segunda atividade, pouco antes de a portaria do Denatran ser editada, ele procurou o doleiro Alberto Youssef, seu amigo, e lhe deu uma dica valiosa: o governo estava prestes a editar uma norma que valorizaria muito as empresas de rastreamento de carros. Por acaso, o ministro também conhecia o dono de uma delas - a Controle, sediada em Goiânia - e sabia que ele, embora credenciado a prestar o serviço, enfrentava dificuldades financeiras. Estava à procura de um sócio com dinheiro para investir. Com um conselho tão qualificado, Youssef não pensou duas vezes. Meire Poza, a contadora do doleiro, foi encarregada de viabilizar o negócio. Ela confirma que o ministro deu todas as orientações: "O Negromonte chamou o Beto (Youssef) e disse que tinha uma empresa que tinha a licença do Denatran, só que estava quase quebrada: "Vai lá e compra que nós estamos com o negócio na mão"".
O doleiro investiu 3 milhões de reais na Controle e comprometeu-se a colocar outros 17 milhões. Com dinheiro em caixa, a empresa chegou a abrir uma filial em São Paulo para atuar no maior mercado do país. O investimento, porém, até agora não deu lucro. Atendendo a pedidos das montadoras, o governo ainda não fixou a data para que os carros novos saiam da fábrica com o equipamento, o que deve ocorrer apenas no ano que vem. Procurado, o empresário Luciano Mendes, um dos sócios da Controle, confirmou que esteve com Alberto Youssef e Mário Negromonte durante a negociação da sociedade: "Estive com o ministro no escritório do Youssef duas vezes em 2011". Seu sócio, Celso Secundino, lamenta o desfecho do negócio: "Fomos vítimas de um bandido". Mário Negromonte admite que conhece o doleiro, mas garante que nunca ouviu falar da Controle nem de seus sócios. Ele diz que contrariou muitos interesses quando era ministro e que por isso estaria sendo alvo de ataques.
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