- O Estado de S. Paulo
Na última semana fui a Santa Catarina para documentário sobre a morte do surfista Ricardo dos Santos, foi assassinado com dois tiros nas costas por um soldado da PM embriagado. Constatei que o soldado respondeu a quatro inquéritos, um por tortura. O Ministério Público pediu sua retirada das ruas. Ele não só continuava trabalhando normalmente, como usava a arma oficial, uma ponto 40.
Tentei falar com o governador Raimundo Colombo e com o comandante da PM, eles se esquivaram. Não foram ao enterro, não viram a família, só se eclipsaram.
Por que as pessoas do governo não dão as caras nessas circunstâncias? Ao fazer essa pergunta, lembrei-me de Dilma, que também se refugiou no Palácio do Planalto e não apareceu para falar francamente das medidas econômicas e da crise hídrica que já atinge 45 milhões de brasileiros. Nem mesmo para nos consolar pela situação energética (é uma especialista) e dizer quais são os rumos do País nesse campo. Dilma, na sua fase Greta Garbo, quem diria, acabou no Planalto Central.
Não me estou referindo a essas aparições programadas, com blindagem à prova de perguntas elementares. Com os ministros, foi como se aparecesse de chapéu e óculos escuros, se escondendo.
Era preciso não apresentar como sua a nova política econômica. Era preciso explicar por que não a mencionou na campanha. Ao contrário, atribuiu as medidas de austeridade aos adversários, caracterizando-as como um saco de maldades.
Sabe-se ainda que o governo pretendia mudar as regras de seguro-desemprego e pensões de viúvas antes das eleições. Mas não teve coragem de mencioná-las. De novo, atribuiu aos adversários conservadores e neoliberais que não gostam dos pobres.
Ainda na Guarda do Embaú, no pé da Serra do Tabuleiro, navegando no Rio da Madre, tentei me colocar a pergunta essencial para mim: por que a esfera da política se descolou da sociedade e os governantes não se sentem responsáveis em reconhecer erros, apontar rumos?
À noite vi pela TV o ministro de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri, numa mesa-redonda em Davos defender a política de Dilma. Segundo ele, o País retomou o caminho do meio, entre consumo e investimento, é um movimento normal. O que acontece, na verdade, é o fracasso de uma política econômica que, em certos casos, como o da energia, estimulou o aumento de consumo de forma equivocada, econômica e socialmente.
É no processo eleitoral que encontramos algumas respostas para o descolamento da esfera do governo, permitindo que a presidente paire no limbo dos corredores do palácio enquanto o País espera respostas urgentes. Numa campanha comandada pelo marketing, o governo criou uma novela de quinta categoria em que a heroína, Coração Valente, enfrentava banqueiros que tiravam a comida da mesa dos pobres. Em 2018, criam outro script e, assim, esperam, vencem as eleições de novo. A propósito: o roteirista que imaginou Lula vestido de laranja na frente da Petrobrás deveria ser mandado para a Sibéria.
É simplesmente impossível que Dilma não apareça para comentar a questão da água. Vamos passar tempos difíceis, precisamos de uma política, de curto e de longo prazos, para equacionar o uso desse recurso, muitas vezes mais valioso que o petróleo. Isso se não nos detivermos só no preço do litro, embora em muitos pontos do País o litro da água mineral bata o petróleo também nesse quesito.
É possível que Dilma esteja esperando o fim da temporada das chuvas. O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse que contava com Deus, que é brasileiro. Deus está vivo e bem em São Gabriel da Cachoeira, usa barba, camisa vermelha e aceita uma graninha. Vamos pôr Deus entre parênteses e enfrentar sozinhos o desafio pela frente. O mundo moderno é precisamente marcado por esta realidade: estamos sós e somos nós os responsáveis pelo nosso caminho. Também por isso os radicais islâmicos nos combatem.
De que adianta argumentar se as esferas se descolaram, o universo da política se tornou opaco e inalcançável? A única saída é recolher as evidências que possam ser um antídoto para o enredo da próxima novela, em 2018.
Nas eleições de 2008 já era um tema importante o registro no tribunal eleitoral do programa de governo. Por esse processo era possível qualificar o estelionato eleitoral. O problema é que os candidatos registram qualquer coisa, às vezes nem registram com antecedência, o que impossibilita o debate.
Uma grande fonte de financiamento, os desvios na Petrobrás, deve secar. Certamente a corrupção vai buscar novas brechas, mas a tendência é um enxugamento das campanhas milionárias. É apenas mais uma das chances que o Brasil tem de se livrar da presença calamitosa do PT, evitar que as campanhas políticas se transformem em panfletos de quinta categoria.
Segunda-feira a oposição volta do recesso. É um verão quente, mas ela devia ter-se reunido mais, falado mais, cobrado mais. Enfim, tudo mais, como nos versos da canção popular. Ainda tem uma chance de desmontar peça por peça a novela marqueteira. Isso será pedagógico.
Por que a Coração Valente apareceu para os ministros, e não para nós, pagadores de impostos, desempregados, os que têm pouca ou nenhuma água, os que acendem vela nos apagões? Dilma prometeu que não haveria mais apagões. Mas já houve um na energia. Há outro, pois o modelo Greta Garbo é, na verdade, um apagão no diálogo com a sociedade.
Tudo isso ocorre num processo crescente de violência nas grandes e médias cidades e até em balneários para descanso e relaxamento. Onde está mesmo aquele plano de integração dos órgãos de segurança, todos conectados, todos online, sabendo até a cor do sapato do assaltante? No Rio, 14 pessoas foram alvejadas por balas perdidas, duas crianças morreram. Todo esse aparato foi comprado para Copa do Mundo e Olimpíada. Por que não funciona, por que a insistência na desconexão, diante de um cenário tão complexo?
Governantes são de Marte. O pouco que sei dos habitantes desse planeta: costumam ser sensíveis ao cheiro de fumaça e acionam o instinto de sobrevivência, desde que devidamente estimulados.
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*Fernando Gabeira é jornalista
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