• Supermercados pressionam fornecedores para barrar aumento de até 15%
• Pressão é maior em produtos afetados diretamente pelo dólar, como importados, higiene e limpeza
Com inflação e dólar em alta e vendas em baixa, supermercados pressionam fornecedores para barrar novos aumentos. A estratégia para não perder clientes num cenário de economia fraca inclui repasses escalonados e compras em volume maior. Indústrias de alimentos e produtos de limpeza tentam impor alta de até 15%. Para Aylton Fornari, presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio, momento é de "negociação acirrada".
Varejo tenta barrar reajuste
• Redes de supermercados pressionam fornecedores para conter aumentos de até 15%
Marcello Corrêa, Thais Lobo e Lino Rodrigues – O Globo
• Pressão é maior em produtos afetados diretamente pelo dólar, como importados, higiene e limpeza
Com inflação e dólar em alta e vendas em baixa, supermercados pressionam fornecedores para barrar novos aumentos. A estratégia para não perder clientes num cenário de economia fraca inclui repasses escalonados e compras em volume maior. Indústrias de alimentos e produtos de limpeza tentam impor alta de até 15%. Para Aylton Fornari, presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio, momento é de "negociação acirrada".
RIO E SÃO PAULO - A queda nas vendas, num cenário de inflação e dólar em alta, tornou ainda mais tenso o cabo de guerra entre supermercados e fornecedores. Na mesa de negociação, redes varejistas têm pressionado pela manutenção de preços para não afugentar consumidores, enquanto indústrias de alimentação e produtos de limpeza tentam repassar reajustes de até 15%. Para driblar este cenário, as redes têm recorrido a estratégias que vão desde a compra em volume maior até redução de prazo de pagamento.
Desde abril, as negociações com fornecedores se tornaram mais difíceis, segundo o diretor comercial do Mundial, Sérgio Leite. O período coincide com a alta mais forte do dólar, que já subiu 17,7% este ano. O executivo afirma que fornecedores têm tentado reajustar seus produtos em até 15%, mas que a opção da rede tem sido segurar os preços, diante das vendas em baixa no setor.
— Essa é a nossa briga diária. Quando o aumento não tem como ser evitado, a gente não repassa 100% no ponto do venda, mas vai aos poucos, para não dar um baque no consumidor. Não dá para vender a R$ 2 em um dia e passar a vender por R$ 4 no dia seguinte — explica.
A pressão por aumentos é maior em produtos diretamente afetados pelo câmbio, como os itens de higiene e limpeza, afirma Leite. É um setor em que boa parte dos fornecedores é multinacional. Em produtos importados, como azeite, é mais difícil evitar o repasse, afirma o diretor do Mundial:
— Não consigo mais vender um azeite importado abaixo de R$ 10. Lá fora, teve aumento por causa da safra e ainda tem a questão do dólar. Hoje, a gente não consegue obter a mesma margem. Estamos procurando ganhar no volume.
No Guanabara, a situação é semelhante. Segundo Albino Pinho, diretor da rede de supermercados, esse período costuma ser de reajuste da tabela de fornecedores, mas, neste ano, o dólar alto tem tornado as negociações mais difíceis.
— O que é produto importado não tem jeito — diz Pinho, que explica a estratégia para tentar evitar as altas: — Estamos negociando quantidade maior.
Para Pietrangelo Leta, vice-presidente comercial do Zona Sul, o aumento de custo da indústria e o repasse ao varejo já eram esperados. Por isso, ele avalia que o momento é de fazer parcerias:
— A gente entende que, em épocas de crise, mudar de fornecedor pode ser um caminho pior. Fizemos o caminho inverso, trabalhando com os mesmos fornecedores, mas com compras mais programadas e redução de prazo de pagamento em grandes negociações para conseguir descontos. E, principalmente, redução da margem para ter maior competitividade para o consumidor.
Em alguns casos, porém, ele afirma que a negociação encontra entraves:
— Em casos específicos, em que houve mudança de alíquota de imposto, é complicado não repassar. Aconteceu isso com o bacalhau no início do ano. Um peixe que vende muito e teve uma alta de 20% em razão de escassez da oferta, alta do dólar e mudança de tributação.
Negociação inclui até marca própria
Nos três primeiros meses de 2015, o varejo teve o pior resultado desde o terceiro trimestre de 2003, segundo dados do IBGE. As vendas do comércio — excluindo o setor automotivo — recuaram 0,8% na comparação com o mesmo período de 2014. O resultado foi afetado, principalmente, pelas vendas de hipermercados e supermercados, que caíram 1,2% no primeiro trimestre.
Cenário ruim se soma a um desânimo do consumidor para comprar. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), medido pela FGV, recuou 2,9% na comparação entre fevereiro e março, o menor patamar desde setembro de 2005, quando a série foi iniciada.
— O varejo sabe que, se repassar o aumento de preço para a prateleira, o que está ruim vai ficar pior. O preço está fazendo a diferença com o orçamento do consumidor pressionado por crédito caro e juros altos. Se o comerciante repassar o que tem recebido do atacado, vai afugentar ainda mais o consumidor, que já está ressabiado com a crise de confiança — destaca Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Para ele, somada a incertezas do cenário nacional, a alta do dólar tirou do varejo mais um poder de barganha:
— Quando o real estava valorizado frente ao dólar, o fornecedor nacional batia na mesa com um reajuste, e o comerciante tinha a saída dos produtos importados. Acontece que essa alternativa está esgotada diante da valorização do dólar. Vira aumento de preço na veia.
O presidente-executivo da Associação dos Supermercados do Estado do Rio (Asserj), Aylton Fornari, reconhece que o momento é de um maior acirramento nas negociações entre varejistas e indústria:
— Sempre existe uma queda de braço com o fornecedor, seja por desconto, prazo maior ou para negociar promoção. Mas nessa situação de aumento geral de preços, a negociação fica mais acirrada. O supermercado sabe que se aumentar preço a venda pode cair, já que todo mundo está numa situação complicada.
Nem mesmo o supermercado que tem produtos de marcas próprias escapa dos reajustes.
— Mesmo a marca própria sofre com esse processo, já que não é o supermercado que fabrica. Contrata-se um fornecedor. Se a matéria-prima aumenta, não tem jeito, ainda que a marca própria seja, em média, mais barata — acrescenta Fornari.
Pressionadas pelos aumentos de custos, especialmente de energia elétrica, as indústrias de alimentação e produtos de limpeza começaram o mês de junho negociando com o varejo reajustes de preços que variam de 5% a 12%. Os percentuais refletem o atual cenário negativo da economia e, segundo Ana Paula Tozzi, sócia da GS&AGR Consultores, que acompanha as negociações, atendem a uma exigência das empresas de querer repassar para os preços dos produtos os ajustes no valor dos insumos importados, em razão da alta do dólar e da energia elétrica, que só no setor da alimentação representa 20% dos custos.
Ana Paula avalia que, por um lado, as indústrias estão "estranguladas" com a queda do consumo. Por outro, com os aumentos de energia e de outros insumos.
— A indústria sente no dia seguinte os reajustes de preços de seus insumos. O efeito desses ajustes no fluxo de caixa é imediato. Já o varejo demora mais para sentir. Por isso esse descompasso e esse impasse nas negociações — diz ela.
A consultora lembra que, ao contrário do setor industrial que já passava por dificuldades desde meados de 2014, o varejo até o fim do ano passado projetava crescer de 5%a 6% este ano. Hoje, diz ela, a realidade é outra e, para agravar a situação, o mercado ainda não tem a real percepção do impacto do ajuste fiscal do governo no consumo das famílias.
— O que já se sabe é que o desemprego vai aumentar e a renda, diminuir. O varejo terá que reconhecer que a indústria está estrangulada e aceitar algum reajuste nos preços — diz Ana Paula, lembrando que os fornecedores, especialmente os de produtos industrializados mais básicos, não têm mais espaço para absorver aumentos de custos.
Vendas caíram 1,64% em abril
Do lado dos consumidores, Ana Paula afirma que eles já deixaram de consumir produtos não essenciais, mas ainda estão na fase de substituir marcas mais caras por mais baratas.
— A perspectiva é que essa negociação de reajuste de preços de produtos básicos só se estabilize entre setembro e outubro. Até lá, supermercados e indústrias terão que ter muito cuidado para não perder o consumidor.
Para Andrea Aun, da consultoria Integration, a queda de vendas e a estagnação geral da economia criaram dificuldades adicionais no relacionamento entre supermercados e fornecedores:
— A variável mais forte nessa negociação é a estagnação da economia, além da mudança de comportamento do consumidor, que já está afetando a venda de algumas marcas mais que outras.
Segundo a Abras, associação que reúne os supermercados, as vendas caíram 1,64% em abril em relação ao mesmo período do ano passado. Na comparação com março deste ano, as vendas tiveram alta de 0,57%, segundo o Índice Nacional de Vendas da associação. Procurada, a entidade não quis se pronunciar sobre as negociações entre supermercadistas e indústria.
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