- O Globo
A aguardada (até por ele mesmo) prisão de José Dirceu ganhou maior densidade política devido à linha do tempo traçada pelo procurador Carlos Fernando Lima, determinando que o início do esquema foi o mesmo do mensalão, quando José Dirceu era o todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, que o chamava de "capitão do time".
Se o DNA dos dois escândalos, mensalão e petrolão, é o mesmo, como definiu o ministro do STF Gilmar Mendes e confirmou a Operação Lava-Jato, e a finalidade, a mesma, financiar as atividades políticas de PT e seus aliados, estaremos em breve diante do mesmo dilema que os investigadores do mensalão enfrentaram há dez anos: a cadeia de comando parava em Dirceu, ou o presidente Lula era o verdadeiro Capo di tutti capi?
A presidente Dilma, que na ocasião era ministra de Minas e Energia e presidia o Conselho da Petrobras, fica em posição frágil diante da definição de quando o esquema do petrolão começou. Será possível que Dirceu nomeasse diretores da Petrobras sem que Dilma soubesse por que estavam sendo escolhidos, e com que missão?
Naquela altura do mensalão, havia o receio de que indiciar Lula como seu grande mentor poderia desencadear uma ação dos tais movimentos sociais a que o ex-presidente sempre recorria como ameaça. Para que o processo tivesse prosseguimento sem transtornos políticos, o procurador-geral da época, Antonio Fernando de Souza (que, aliás, hoje é advogado de defesa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha), preferiu parar em Dirceu, considerando-o o grande chefe do que classificou de "quadrilha", denominação que, afinal, o STF derrubou.
Hoje, a situação política é outra, embora ainda restem receios quanto a Lula. Sua aura de grande liderança popular persiste, mas já está arranhada a ponto de permitir uma investigação sobre tráfico de influência a favor da Odebrecht pelo Ministério Público de Brasília. Lula não teve condições, embora tentasse, de parar a investigação.
Ontem, na entrevista coletiva sobre a fase "Pixuleco" da Operação Lava-Jato, o procurador Carlos Fernando Lima citou diversas vezes o ex-presidente Lula, para deixar claro que o escândalo da Petrobras começou ainda no seu primeiro governo. Perguntado se considerava Dirceu a liderança mais importante para o esquema de corrupção na Petrobras, o procurador fez questão de afirmar que Dirceu "é um dos principais, mas não o único".
Indagado se o ex-presidente Lula será investigado, Carlos Fernando Lima disse, escolhendo as palavras, que "neste momento não existe nenhum indicativo de necessidade de prisão de quem quer que seja que não esteja preso". Mas deixou claro que "nenhuma pessoa num regime republicano está isenta de ser investigada".
Ainda deu-se ao trabalho de explicar que "apenas pessoas com foro privilegiado devem ser investigadas em foro competente. Um ex-presidente pode ser investigado em primeiro grau".
A questão central é que a chegada do PT ao poder fez com que a corrupção se tornasse "endêmica e disseminada, como metástase", na definição de outro procurador. Ou, na definição de Carlos Fernando Lima: "(...) Houve uma sistematização da corrupção no governo do PT, como compra de apoio parlamentar". De maneira enigmática, ele deixou um recado direto a bom entendedor como Lula: "Temos uma ideia boa e clara de onde podemos chegar, mas isso é fato sigiloso".
É certo que ainda existe um temor reverencial quando se fala de Lula em nível institucional, pois em nível popular esse medo já se desfez. O próprio ex-presidente Fernando Henrique fica cheio de dedos quando o assunto é uma possível prisão de Lula. Ora diz que sua prisão "dividiria o país", que Lula é um líder popular e que "não se deve quebrar esse símbolo".
Mais tarde, em uma nota com o objetivo de esclarecer declarações a uma revista alemã, disse que se Lula merecer ser preso "é de lamentar, porque terá jogado fora (coisa que vem fazendo aos poucos) sua história..".
Como se vê, já é possível perguntar e discutir se Lula vai ser preso, o que indica que são muitos os indícios que o envolvem com as empreiteiras do petrolão. Agora resta aguardar para ver se nossa democracia já está madura o suficiente para vermos com naturalidade, embora indignados, um ex-presidente da República sendo investigado por corrupção.
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