'Profissionalismo no crime'
• PF prende José Dirceu, acusado de montar na Petrobras o mesmo esquema de corrupção do mensalão
Cleide Carvalho, Germano Oliveira e Tiago Dantas - O Globo
Operação "Pixuleco"
CURITIBA, SÃO PAULO e BRASÍLIA - O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu é acusado de receber propinas antes, durante e depois de condenado pelo mensalão. Suspeita-se de que tenha dedicado os últimos 12 anos à corrupção. No mensalão, para beneficiar o partido. Na Lava-Jato, não só para arrecadar doações de campanha, mas também para enriquecer a si próprio. Para o Ministério Público Federal, ao indicar nomes para dirigir a Petrobras, como Renato Duque, hoje preso, Dirceu idealizou o esquema de corrupção na estatal, a exemplo do que aconteceu com o Banco do Brasil, foco de fraudes para sustentar a base aliada no mensalão, em 2005.
- Entendemos que o DNA, como diz o ministro Gilmar (Mendes), é o mesmo do mensalão e da Lava-Jato - disse o procurador Carlos Fernando Lima, integrante da força-tarefa da Lava-Jato.
- A responsabilidade de José Dirceu é evidentemente, aqui, como beneficiário de maneira pessoal, não mais de maneira partidária, enriquecendo pessoalmente - completou.
Ao decretar a prisão preventiva de Dirceu e autorizar a Operação "Pixuleco", deflagrada ontem pela PF, o juiz Sérgio Moro disse que Dirceu recebia propinas desde 2003, quando assumiu a Casa Civil do governo Lula. Para o juiz, provas de recebimentos no mensalão reforçam indícios de "profissionalismo e habitualidade na prática do crime", e caracterizam "acentuada conduta de desprezo não só à lei e à coisa pública, mas igualmente à Justiça criminal e à Suprema Corte".
Intermediário de propinas e delator na Lava-Jato, Milton Pascowitch contou à PF que, antes do mensalão, o grupo político de Dirceu se aproximou de algumas empresas que prestavam serviço para a Petrobras. Essas companhias começaram a pagar propina direto aos beneficiários, segundo ele. Após o mensalão, surgiu a figura dos operadores, que intermediavam os repasses de propina. Agora, a possibilidade de Duque se tornar delator eleva a tensão no PT, que é acusado de dividir os "pixulecos" da estatal com PMDB e PP, e teme novas provas e detalhes sobre a ação de João Vaccari, ex-tesoureiro do partido.
Também foram presos preventivamente (sem prazo) Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura, que sugeriu a Dirceu o nome de Duque para a Petrobras, e Celso Araripe, ex-gerente da estatal. Outros 5 foram presos temporariamente: Luiz Eduardo de Oliveira e Silva (irmão de Dirceu), Roberto Marques (ex-assessor), Olavo Hourneaux Moura Filho (irmão de Fernando), Júlio Cesar dos Santos (ex-sócio de Dirceu) e Pablo Kipersmit (diretor da Consist). Dirceu, sua empresa e seis presos tiveram bens bloqueados de até R$ 20 milhões cada um.
Transferência para Curitiba
À noite, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do mensalão no Supremo, autorizou a transferência de Dirceu para a carceragem da PF em Curitiba. Dirceu cumpria pena pelo mensalão em Brasília, no regime domiciliar. Como a decisão saiu à noite, ele passou a noite na Superintendência da PF em Brasília. Dirceu recebeu roupas, lençol, cobertor e travesseiro.
De acordo com a Lava-Jato, os valores eram pagos a Dirceu por meio de falsos contratos de prestação de serviços da JD Consultoria, em dinheiro vivo e até em ressarcimento de gastos pessoais. As propinas descritas a Dirceu somaram cerca de R$ 90 milhões entre 2007 e 2014, segundo levantamento do GLOBO. Duas fornecedoras da Petrobras, Hope e Personal, garantiam, conforme o delator, "a maior renda" ao ex-ministro. O grupo de Dirceu recebia R$ 800 mil a R$ 1 milhão por mês, e Pascowitch entregava de R$ 80 mil a R$ 90 mil mensais à JD. Algumas vezes, o "pixuleco" era dado a João Vaccari.
As duas empresas forneciam mão de obra terceirizada à estatal. Nos contratos da Hope, a propina teria chegado a R$ 51,5 milhões - referentes a 1,5% do valor obtido pela empresa em contratos com a estatal. A Personal pagava valores fixos. Para o MPF, a JD era uma central de "pixulecos".
- Com todo o tempo em que essa investigação durou, não há sequer uma comprovação de serviço prestado pela empresa JD - disse Márcio Anselmo, delegado responsável pela operação na PF.
No mensalão, Dirceu foi condenado em dezembro de 2012 e preso em novembro de 2013. Ficou na cadeia até 28 de outubro de 2014. Mas continuou recebendo de empreiteiras, o que, para Moro, configura propina. Foram R$ 8,5 milhões desde 2009 da Camargo Corrêa, Galvão Engenharia, UTC, Engevix e Egesa. OAS e UTC depositaram até 2014. Ele recebeu R$ 8,446 milhões do laboratório EMS e R$ 1,379 milhão da Monte Cristalina em parcelas mensais, pagas ainda depois que foi preso. Dos pagamentos da Engevix, segundo Pascowitch, um foi real, para Dirceu fazer negócios no Peru. O restante foi propina de Cacimbas 2, obra da Petrobras.
Camargo Corrêa e EMS disseram ter contratado serviços de Dirceu para abrir mercado no exterior. A OAS negou irregularidades. Hope e Engevix disseram estar prestando esclarecimentos à Justiça. Galvão Engenharia e UTC não comentaram e a Personal não respondeu.
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