terça-feira, 4 de agosto de 2015

Cristian Klein - Risco alto e controlado

- Valor Econômico

• Ameaça à economia trava união entre as ruas e o Congresso

No delicado equilíbrio político que sustenta o governo, o fator mais desestabilizador não é o presidente da Câmara dos Deputados. Eduardo Cunha atrapalha, vai vender caro (como sempre) qualquer legislação de interesse do Planalto, mas não representa o maior risco para a presidente Dilma Rousseff. A maior ameaça vem das ruas.

E para azar do governo e dos petistas, as manifestações marcadas para dia 16 encontram o mesmo tipo de "aquecimento" dos protestos de 15 de março, que reuniram cerca de 1,7 milhão de pessoas pelo país.

Uma semana antes, numa homenagem ao Dia da Mulher, o pronunciamento de Dilma em cadeia nacional de rádio e TV fora retaliado por intensos panelaços em diversas capitais. Agora, a mobilização será precedida por outra fala, que pode agitar os humores da opinião pública quando a presidente aparecer no programa partidário do PT, nesta quinta-feira. A propaganda petista será veiculada três dias depois da prisão, ontem, do ex-presidente do partido, José Dirceu.

JD é acusado de estender o mensalão - pelo qual ainda cumpria pena em regime domiciliar - para o esquema de corrupção na Petrobras, investigado na Operação Lava-Jato. Dirceu preso pode ser considerado "mais do mesmo", como esperam os petistas, ou um elemento a reavivar a indignação popular, como anseiam os oposicionistas.

Os protestos do dia 16 serão uma prova de fogo para Dilma e os movimentos que se organizam nas redes sociais contra ela e o PT. Até o momento, as ruas deram sinalizações contraditórias, ou pelo menos insuficientes, sobre o grau de insatisfação do brasileiro. A primeira manifestação foi gigantesca. A segunda, em 12 de abril, mobilizou cerca de um terço do protesto anterior. É o terceiro ponto de observação que dirá se Dilma continua sob pressão das ruas ou se o bloco dos (mais) descontentes se dispersou.

Em 5 de maio, o programa partidário do PT escondeu Dilma, mas mostrou o ex-presidente Lula e o resultado foi semelhante ao do Dia da Mulher - panelaços não só pelas capitais, mas pelas cidades do interior. Diferentemente da primeira vez, porém, não havia a associação entre caçarolas e convocação de protesto - conjunção que se repetirá agora.

Essa combinação parece ser uma das características favoráveis à ação coletiva anti-Dilma. Por outro lado, a conjuntura política não é a mesma de meses atrás.

Com o refluxo do segundo protesto, a oposição partidária, PSDB à frente, se aproximou da oposição das ruas, o que quebra seu caráter supostamente autônomo, espontâneo. Como lembrou a cientista política americana Kathryn Hochstetler, em entrevista ao Valor na sexta-feira, essa partidarização é um dos maiores equívocos que a mobilização de rua contra Dilma pode cometer. Tende a reduzir o escopo dos protestos ao se identificar com uma das partes interessadas, em vez de criar coalizões suprapartidárias de descontentamento. O efeito pode ser até o contrário, ao amalgamar, em contraprotestos, grupos ligados ao governo. É exatamente o cenário que está se desenhando, já que PT, CUT e movimentos sociais como o MTST resolveram convocar manifestações de apoio à Dilma, em resposta aos chamados para o domingo, 16.

Para os defensores do governo - ou contrários ao "golpe" - a mobilização pode ser igualmente pouco inteligente. Em março, além dos panelaços, os protestos bem-sucedidos contra Dilma foram esquentados pela ida às ruas dos apoiadores da presidente, dois dias antes, numa sexta-feira, reforçando o clima de Fla x Flu das eleições do ano passado.

Seja como for, os dilmistas buscam provocar um efeito dissuasório, contra as tentativas de impeachment em curso.

Ao que parece, esse risco de polarização e, sua contraface, a dissipação do movimento das ruas já foram contabilizados pelos atores políticos - incluindo o empresariado.

Com a crise político-econômica aguda, evitar a perda do grau de investimento passou a fazer parte do topo das prioridades da agenda do governo e de boa parte dos interesses ligados à oposição partidária.

Se não for por seu próprio esvaziamento, as ruas precisam ser domadas, controladas, sob pena de aprofundar ainda mais a recuperação econômica.

Esse é o principal entrave à aliança entre o Congresso e as manifestações de massa, que poderia sacramentar o fim precoce do mandato de Dilma.

A classe política - em conversação contínua com o poder econômico - está reticente. O PSDB dá uma no cravo e outra na ferradura. Anuncia adesão aos protestos, mas recusa-se a incendiá-los. O senador Aécio Neves, presidente do partido e adversário à reeleição de Dilma, disse que "não comemora nem lamenta" a prisão de Dirceu. Preferiu louvar o "pleno funcionamento das instituições".

O longo tempo que separa Dilma do fim do mandato - recém-legitimado - abre espaço para a cautela, dadas as incertezas e ressignificações em jogo: o quê (afastamento constitucional ou golpe), quando (antes ou depois do meio do mandato), como (impeachment ou renúncia), porque (pedaladas fiscais, dinheiro sujo de campanha ou envolvimento direto em corrupção - o tiro de misericórdia ainda não encontrado) e quem assumiria (se Michel Temer, Aécio ou um novo eleito).

Outras questões sobre a mesa: Eduardo Cunha e Renan Calheiros, ambos acusados na Lava-Jato, têm condições de liderar o processo no Congresso? À oposição interessa chegar ao poder em meio a uma crise e logo se tornar vidraça?

Tudo somado, ao delicado equilíbrio de sustentação do governo por sua base aliada corresponde uma cuidadosa aproximação da oposição partidária com a das ruas. Ambos tentam manejá-las.

Entre os principais grupos que comandam as manifestações, o PSDB elegeu o mais moderado, o Vem Pra Rua, seu interlocutor preferencial. O movimento ganhou perfil de "protesto institucionalizado" (vários grupos em torno de uma Aliança), organizado (pelas redes sociais), moderado (com articulação no Congresso) e ordeiro (leva até seguranças para manifestação).

Resta saber se a insatisfação pode ser controlada em fogo brando.

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