• Cúpula do partido teme críticas da presidente afastada após desfecho do impeachment; ela, por sua vez, se queixa de ter sido abandonada
Vera Rosa - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - No auge do distanciamento, a presidente afastada Dilma Rousseff e a cúpula do PT agora se acusam mutuamente, nos bastidores, pela iminente perda de poder, protagonizando um jogo de empurra. Dirigentes e parlamentares do PT temem que, confirmado o impeachment, Dilma tente salvar apenas sua biografia, apontando o dedo para a avalanche de problemas do partido, às vésperas das eleições municipais.
A impressão foi reforçada quando ela disse que o PT precisa assumir seus erros, do ponto de vista ético, e passar por uma “grande transformação”. Fez a declaração seis dias após ter afirmado que não autorizara caixa 2 em sua campanha e que qualquer responsabilidade pelo pagamento de dívidas deveria ser debitada na conta do PT. A partir daí, os desentendimentos ficaram evidentes e há quem suspeite até mesmo que Dilma possa deixar o partido mais adiante.
Quem visitou a ocupante do Palácio da Alvorada depois que o Senado decidiu torná-la ré, na madrugada de quarta-feira, encontrou uma mulher abatida. Dilma assegurou que pretende ir ao Congresso para se defender, no fim do mês. Reiterou, ainda, que apoiará a proposta de plebiscito para antecipar as eleições presidenciais – outro motivo de divergência com o PT – na Carta aos Senadores, a ser divulgada até terça-feira.
Mesmo com a resistência na ponta da língua, porém, a presidente afastada não escondeu a preocupação. Não parecia assim até 15 dias atrás, quando, embora solitária, ainda transmitia a imagem de alguém que havia tirado um “peso” das costas e se encantava com a “alforria” para comer suspiros, mesmo seguindo a dieta Ravenna, que a fez perder 17 quilos.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contou a senadores do PT que chegou a ficar impressionado com o ânimo de Dilma. Lula disse aos petistas que, numa das visitas feitas a ela, há cerca de um mês e meio, desembarcou tristonho no Alvorada, pensando que tudo aquilo parecia um pesadelo. Ao avistar sua sucessora, porém, teve uma surpresa.
Dilma, fora do Planalto, tinha a expressão desanuviada. “Parecia que o impeachment era meu, não dela”, provocou Lula, segundo relato dos senadores.
Traições. Todos que convivem com a petista, no entanto, afirmam que a ficha dela só “caiu completamente” depois que o Senado decidiu julgá-la. Mais uma vez, ela se decepcionou com traições de antigos aliados e se mostrou inconformada com o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). Ele esteve quatro vezes com Dilma, fez sugestões para a carta, mas votou a favor da sua deposição.
Em conversas reservadas, ex-ministros do PT argumentam que o próprio partido a abandonou. “Beijaram a mão dela e depois a deixaram na torre”, resume um deles, numa alusão à Torre das Donzelas, no Presídio Tiradentes (SP), onde Dilma ficou encarcerada três anos, na ditadura militar. “O PT dá apoio incondicional à presidente Dilma e continuará na luta contra o golpe”, diz o presidente do PT, Rui Falcão, que classificou de “inviável” a proposta de plebiscito, principal bandeira defendida por ela para pacificar o País.
Apesar das negativas oficiais, dirigentes petistas avaliam, a portas fechadas, que manter Dilma nessas condições seria “sangrar” até a eleição de 2018, um cenário que favoreceria o PSDB, hoje aliado do presidente em exercício Michel Temer. Além disso, observam que a carta a ser lançada por ela, planejada para conter as diretrizes de um “programa da volta”, perdeu o sentido político.
Em reunião com deputados e senadores do PT, na quarta-feira, Lula disse que o partido precisa se preparar para ser oposição, após quase 14 anos à frente do Planalto. Alvo da Lava Jato, o ex-presidente está apreensivo com a debandada de filiados e com as disputas municipais no momento em que o PT enfrenta a maior crise de seus 36 anos, com dois ex-tesoureiros presos.
O acerto de contas será feito em dezembro, quando haverá um encontro extraordinário do partido. “Tanto a presidente como nós reconhecemos os erros, mas precisamos propor saídas e fazer a reforma política”, diz o senador Jorge Viana (PT-AC).
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