sábado, 6 de outubro de 2018

*Miguel Reale Júnior: Entre les deux mon coeur ne balance pas

- O Estado de S.Paulo

Dilema: tanto Bolsonaro como Haddad podem levar à quebra da ordem constitucional

A delação de Antônio Palocci traz o lado negro do PT para o centro do palco, às vésperas da eleição, relembrando, em visão por dentro, o relatado nas delações da Odebrecht e outras. Mas a descrição shakespeariana de Lula desvairado, no primeiro andar do Palácio do Planalto, tendo sonhos mirabolantes com o pré-sal, comandando, como chefe de quadrilha do Estado criminoso, o esquartejamento da Petrobrás na compra de navios sonda, é patético. Não havia terreno santificado, tudo era conspurcado: emendas legislativas, medidas provisórias, resoluções de agências reguladoras.

O assalto era bem organizado, dirigido do centro do poder, havendo, portanto, todas as garantias de impunidade. Grande parte do dinheiro desviado era drenada para campanhas eleitorais, estando Lula e Dilma sempre cientes dos malfeitos e dos destinos dos dinheiros sujos.

Lula, já condenado pelo recebimento de vantagens e ocultação de bens, pretexta, de dentro do cárcere, inocência, já negada em análise pormenorizada do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, responde por processos ainda mais graves, como o do sítio, o relativo à compra dos caças, o do terreno do Instituto Lula. Dilma, afastada por impeachment como causadora da desgraça da nossa economia, levando o País à maior recessão da nossa História com maquiagem das contas públicas e um desajuste fiscal estrondoso, responsabilizada pelo TCU pela compra da refinaria de Pasadena, foi presidente da Petrobrás e ministra de Minas e Energia no período de rapinagem da companhia. Para muitos, no entanto, isso não importa! Não há argumentos para a torcida organizada do PT.

Assim, alguns artistas e intelectuais, bem como parcela da população, fazem-se de cegos e conseguem alimentar revoltante relativismo ético: a roubalheira do PT, de Lula e de Dilma não é reprovável, não é crime, é perseguição, é golpe. Jamais reconheceram, como caberia, o cometimento de um erro sequer. Vitimizam-se, apenas.

E agora, mesmo condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula ainda é ungido por alguns, que não se dão conta de estar o País nesta situação graças à sua ganância de dinheiro e de poder, criador do Estado criminoso e da corrupção sistêmica, orientando desastradamente a economia no sentido do consumo e da desoneração, linha levada a exageros por sua sucessora. Corrupção e aparelhamento da máquina do Estado destruíram o País, e tudo se passa como se o corrupto condenado, lá atrás das grades em Curitiba, e Dilma nada tivessem que ver com isso.

Lula, preso, fala por seu boneco de ventríloquo, que precisa ir à prisão para saber o que fazer em liberdade e propõe, no aniversário de 30 anos da Constituição, uma Constituinte autônoma, ou seja, fora das instituições, como se brotassem do nada homens dirigidos como ele pelo mago da prisão para inverter a ordem constitucional. Com Haddad estaremos em insegurança política e jurídica. O PT quer voltar ao poder sem fazer o devido mea-culpa pelos graves erros cometidos, com direito, portanto, a repeti-los, ansiosos os seus dirigentes por se autoabsolverem.

Do outro lado, um ex-capitão, deputado por sete mandatos, sempre membro do baixo clero, jamais relatou projeto de relevo ou fez discurso importante. Mas conseguiu encarnar, por falta de modernidade de comunicação dos demais, a bandeira do antipetismo. Esse deputado inexpressivo, tratado como mito, expressa a garantia de segurança e de ordem numa sociedade desorientada, sequiosa de ver valer o reconhecimento da seriedade, desprezado ao longo do tempo por boa parcela da classe política.

Ao longo de sua carreira, Bolsonaro elogiou a tortura, homenageou o torturador coronel Ustra. Agora transformou tripé de fotografia em metralhadora, dizendo que iria fuzilar os petralhas. Nunca disse, contudo, algo em prol dos valores da democracia e das conquistas em benefício dos direitos da pessoa humana. Só se interessa por explorar os sentimentos de vingança de uma sociedade atingida pelo medo da criminalidade. Na cama hospitalar, ao fazer sinal de carabina, até se aproxima de Mao Tsé-tung, para quem o poder nasce do cano do fuzil. Não tem relações sociais ou políticas: é um outsider, um antissistema, que não depende de condenado preso, mas de um posto Ipiranga. Sem densidade, despreza a pluralidade própria do nosso mundo. Vê a sociedade como um quartel.

Seu candidato a vice propõe caminho alternativo de mudança constitucional, pela via da criação de comissão de juristas para elaboração de texto a ser submetido a plebiscito, aliás, instrumento a que sempre recorreram ditadores, como Mussolini, Pinochet, Chávez, Fidel Castro. Estaremos em insegurança política e jurídica.

Ambos os candidatos são opções não democráticas, que podem levar à quebra da ordem constitucional.

Ao lado de pessoas comuns, do movimento #Extremosnão, apartidárias, dedicadas a ter um País livre do radicalismo, tentei unificar as candidaturas do centro democrático, mas a tentativa bateu na trave, em história a ser contada um dia. Perdeu-se a chance de pacificar o País! O que resta, então?

Seria mais fácil começar a pensar numa escolha, posto o compromisso absoluto de preservar a Constituição, se 1) Haddad deixasse de ser prisioneiro do preso e jurasse não interferir nas apurações da Lava Jato, não conceder indulto, graça ou cargos a apaniguados processados ou condenados, bem como recriminasse a Venezuela e outras ditaduras; 2) Bolsonaro, que saiu da caserna, mas esta não saiu dele, viesse a jurar respeitar a pluralidade e a democracia que se constrói pelo diálogo com o Congresso Nacional e com a sociedade em sua rica diversidade, bem como se renegasse a tortura e armar a população como formas enganadoras de prover a segurança pública.

Como nenhum dos dois fará o que se sugere, resta o dilema...
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*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

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