- O Globo
Para ex-ministro, pressão sobre escolas pode agravar três problemas: abusos sexuais, gravidez precoce e transmissão de doenças
Foi a pior experiência de Renato Janine Ribeiro em sua curta passagem pelo Ministério da Educação. Numa manhã de setembro de 2015, o professor recebeu quatro deputados que diziam representar a bancada católica. O grupo foi direto ao assunto: queria banir a educação sexual das escolas. As aulas deveriam se limitar ao funcionamento dos órgãos reprodutores. “Só a biologia!”, resumiu um dos visitantes.
O filósofo tentou convencer os políticos a esquecer a ideia. Argumentou que a censura agravaria três problemas: a gravidez precoce, o abuso sexual e a transmissão de doenças como a Aids. “Se os jovens não tiverem uma educação sexual franca e honesta, ficarão expostos a esses três riscos, que podem arruinar a vida deles”, disse. Por um instante, os deputados pareceram concordar. Logo voltaram ao ponto de partida: “Só a biologia!”.
As guerras culturais sequestraram o debate sobre a educação no Brasil. A ofensiva conservadora desviou os holofotes para as questões de gênero e o projeto Escola Sem Partido. Ficou em segundo plano a tarefa que importa: melhorar o desempenho dos estudantes e a qualidade do ensino no país.
Em “A Pátria Educadora em Colapso” (Três Estrelas), Janine lamenta a cruzada religiosa contra o MEC. Ele diz que o discurso em voga é uma falácia. “É óbvio que a escola não deve ser espaço de doutrinação. Portanto, deve ser sem partido. Mas o grupo que assumiu a defesa da ‘escola sem partido’ é ele próprio partidarizado”, constata.
Para o ex-ministro, os ultraconservadores têm “medo do potencial libertador da educação”. “Querem reduzi-la à doutrinação segundo o que há de mais tradicional e repressivo nos costumes”, afirma. “Quem tem medo da independência dos filhos tem medo da boa educação, porque o que ela faz é exatamente isso: dar a cada um os meios de encontrar seu próprio caminho”.
A nomeação do filósofo foi um dos poucos acertos do segundo mandato de Dilma Rousseff. Respeitado no governo e na oposição, ele durou apenas seis meses no cargo. Foi demitido às vésperas da abertura do processo de impeachment, e ficou sabendo da notícia pela internet. “Para ser sincero, senti até certo alívio”, conta.
O livro de Janine contém dicas valiosas para quem está chegando a Brasília na comitiva do presidente eleito. “Quando as coisas já estão delicadas, com o país à beira do precipício, sempre surge alguém para piorar a situação”, escreve. Sobre a burocracia federal, ele ensina: “Não adianta dar uma ordem. Você precisa averiguar o tempo todo se ela está sendo cumprida”.
O ex-ministro revela duas lições que aprendeu com os cofres vazios. “A primeira: é bom dizer a verdade, em especial quanto aos limites de recursos. A segunda: é preciso que o Brasil aprenda que os recursos são limitados e vêm da sociedade, portanto não pode haver desperdício ou descuido”.
A leitura seria útil ao futuro ministro Ricardo Vélez Rodríguez, que já defendeu a criação de “conselhos de ética” nas escolas para fiscalizar a “reta educação moral dos alunos”. Na sexta-feira, ele disse que será um guardião dos “valores tradicionais ligados à preservação da família”. Assim ainda acaba imitando os deputados: “Só a biologia!”.
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