segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Constituição já permite demitir servidor estável: Editorial | Valor Econômico

A situação fiscal da maioria dos Estados brasileiros é mais preocupante do que imaginavam os mais pessimistas. O quadro é desolador, pois o gasto com pessoal de 14 deles supera o limite de 60% da receita corrente líquida, definido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de acordo com o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, divulgado na semana passada pelo Tesouro Nacional.

Em apenas três Estados (Pará, Paraíba e Espírito Santo) não houve crescimento real nos gastos com pessoal em 2017, na comparação com 2016. Isso em um momento em que a economia brasileira ainda estava tentando se recuperar da maior recessão de sua história. Houve aumento também das despesas com os inativos e pensionistas na maioria dos Estados.

Desde 2013, o conjunto das despesas orçamentárias estaduais é superior ao das receitas, ou seja, o resultado orçamentário é negativo. Com isso, há um aumento do volume de atrasos de pagamentos dos Estados, mais um indício da deterioração fiscal desses entes, diz outro estudo do Tesouro, intitulado "Exposição da União à Insolvência dos Entes Subnacionais".

Na primeira reunião com o presidente eleito Jair Bolsonaro, os governadores também eleitos em outubro foram com o pires da mão, como se dizia antigamente, pedir ajuda do governo para enfrentar o descalabro que encontraram. Alguns deles, para enfrentar o descalabro que eles mesmos produziram no mandato anterior.

Além de pedir mais uma renegociação de suas dívidas - a última foi feita pela União em 2016 - apresentaram uma carta com 13 pontos, entre eles um que propõe a revisão do conceito de estabilidade do servidor público. O objetivo seria flexibilizar a legislação para que os Estados possam se enquadrar, por meio de dispensa de funcionários, no limite de gasto com pessoal definido pela LRF.

A proposta não deixa de ser interessante, pois uma leitura mais atenta do artigo 169 da Constituição permite verificar que a possibilidade de demitir servidor estável, para que o Estado possa se enquadrar no limite de gasto com pessoal, já é autorizada.

Além de estabelecer que a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados e dos municípios não pode exceder os limites estabelecidos em lei complementar, a emenda constitucional 19, de 1998, definiu uma série de medidas que deveriam ser adotadas para que os entes da federação se enquadrassem no limite.

Em primeiro lugar, o ente da federação deveria reduzir em pelo menos 20% as despesas com cargos em comissão e funções de confiança. Em seguida, exonerar os servidores não estáveis.

O parágrafo 4º do artigo 169 diz que se as medidas adotadas não forem suficientes para assegurar o cumprimento dos limites de gasto com pessoal, "o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal".

No dia 14 de junho de 1999, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei 9.801, que regulamentou a exoneração de servidor estável, com o objetivo de permitir que os entes se enquadrem no limite de gastos.

A lei 9.801 diferenciou servidores estáveis para efeito de dispensa. O corte deve atingir primeiro os funcionários com menor tempo de serviço, com menor idade e com maior remuneração. Aquele que desenvolva atividade exclusiva de Estado somente será exonerado depois da dispensa dos servidores dos demais cargos do órgão ou da unidade administrativa objeto da redução de pessoal. A Constituição estabelece ainda que o servidor que perder o cargo fará jus a uma indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço.

Quando o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) dos Estados estava sendo discutido, a área técnica do governo chegou a propor a inclusão, no texto da lei complementar 159, da possibilidade de demissão de servidor estável para que os governos estaduais pudessem se enquadrar no limite da despesa com pessoal. A reação contrária dos governadores foi de tal ordem, que o governo terminou desistindo da medida.

A questão, portanto, não é de falta de autorização ou base legal para demitir servidores. É de falta de vontade política e de descaso com o texto da Constituição e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

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