terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Hélio Schwartsman: O enigma chinês

- Folha de S. Paulo

Apesar do forte esquema de censura, o país está virando uma potência educacional e científica

A China segue desafiando os credos de economistas liberais. Eles sempre apostaram que o processo de abertura econômica no gigante asiático levaria à democratização. Não há nenhum sinal de que isso esteja acontecendo.

Segundo esses especialistas, o enriquecimento torna a população mais exigente. O surgimento de uma enorme classe média chinesa acabaria resultando em uma irresistível demanda por abertura política. Até agora não a vimos. Mas os liberais podem ter um trunfo escondido. Até agora também não vimos a China experimentar uma recessão ou uma queda forte no ritmo de crescimento, que são os eventos que costumam desencadear rebeliões políticas. Ainda pode acontecer.

O outro canal pelo qual a democracia se transmitiria é ainda mais teórico. Para economistas, em especial para aqueles ligados a correntes institucionalistas, a manutenção da prosperidade por períodos mais dilatados de tempo depende de um fluxo constante de inovações e ganhos de produtividade, que são inibidos quando as pessoas não podem trocar informações livremente. Haveria, portanto, uma incompatibilidade intrínseca entre ditadura e crescimento duradouro.

De novo, a China não dá sinais de que tenha batido num teto. Ao contrário, apesar do forte esquema de censura, o país está se tornando uma potência educacional e científica. Os dirigentes locais, que estudaram com afinco os precedentes históricos, foram capazes de evitar a ideologização da ciência, algo que contribuiu para a derrocada da URSS nos anos 70 e 80. A biologia soviética, por exemplo, contaminada por ideias esdrúxulas contra o darwinismo, era imprestável, o que deixou o país para trás na agricultura e outras áreas de relevância econômica.

Talvez seja cedo para decretar que os economistas liberais perderam, mas os sinais não são animadores. Talvez tenhamos de concluir que o valor da liberdade é moral, não instrumental.

Um comentário:

marcos disse...

Não há enigma; ele é que faz leitura errada, vendo o filme como se fosse conjunto de fotos.

MAM