O Globo
Uma das grandes habilidades de Jair
Bolsonaro é tomar para si o protagonismo na arena política. Sua
especialidade é fabricar brigas para vender a ideia de que é um herói
lutando contra inimigos poderosos: o establishment, a fraude nas urnas, o comunismo.
Uma vez que a cortina de fumaça distrai o
público, ele passa à próxima guerra — e assim por diante. Na batalha mais
recente, porém, o presidente e seu time parecem claudicantes. Talvez porque o
inimigo, a Petrobras, não seja um agente externo como o Supremo.
Bolsonaro luta contra uma companhia
controlada por seu próprio governo. A ameaça da alta dos combustíveis não é
fake como a fraude nas urnas. E a solução preferencial do Planalto — intervir
para segurar os preços —já traz a patente de seu maior adversário na eleição, o
PT.
Duas cenas recentes ilustram a conjuntura
bizarra. Na terça-feira, o presidente passou por um constrangimento ao
desabafar a seguidores no cercadinho do Palácio da Alvorada:
"É sempre aquele discurso fácil de
salvar, de ajudar. A gasolina vai voltar a R$ 3 o litro...", reclamou,
para depois arrematar: "No mundo todo é R$ 12, só aqui que vai voltar a R$
3?"
Os apoiadores entenderam que Bolsonaro
baixaria o preço da gasolina para R$ 3 e começaram a comemorar, para aflição do
presidente: "Não, espera aí! Espera aí! É o que o cara diz!"
O cara, claro, é Lula.
Horas depois, na Suíça, o ministro Paulo Guedes foi questionado por um empresário sobre as eleições brasileiras e já foi logo botando o PT na resposta: "Eles são piores que a gente".
Desqualificar o adversário político faz
parte do jogo. O problema é tentar desqualificar alguém que se tenta imitar.
Depois de passar três anos se contrapondo
aos governos petistas, professando a fé liberal e prometendo privatizações,
Guedes e Bolsonaro parecem, de repente, ter descoberto que não gostam mais do
liberalismo. Querem que a Petrobras entube um prejuízo bilionário segurando
(quem sabe, até baixando) os preços, no momento em que o petróleo está em alta
no mundo todo.
Com a demissão do presidente da companhia,
mostraram que estão dispostos a sacar dos cargos quantos conselheiros e
diretores for preciso para conter a alta e garantir a reeleição.
Até parece que não sabiam que, ao quebrar o
monopólio da empresa no refino e na distribuição dos combustíveis, abriam mão
de poder baixar os preços na marra. Hoje, como 27% do diesel e 15% da gasolina
que consumimos vêm de fora, fazer isso significa enfrentar o desabastecimento,
já que nenhum operador privado vai querer importar com prejuízo.
Ou, claro, significa fazer com que a
Petrobras traga sozinha todo o petróleo para abastecer o país, absorvendo um
rombo digno dos tempos de Dilma Rousseff e ainda quebrando os importadores.
A inflação é um flagelo de difícil solução,
ainda mais porque as causas estão fora do Brasil. Mas isso não quer dizer que
não houvesse alternativas.
Desde que a crise começou, várias vezes
foram oferecidas ao governo propostas de subsídio por tempo definido e dirigido
aos setores mais afetados pela alta — como os consumidores de gás de
cozinha e os caminhoneiros. Foi com iniciativas assim que Michel
Temer atravessou a crise que provocou a greve dos caminhoneiros em 2018.
Tais programas custaram R$ 7,5 bilhões, bem
menos que os R$ 38 bilhões que a Petrobras entregou ao Tesouro em dividendos.
Se não resolvessem a questão completamente, teriam boas chances de ser aceitos
pelo Congresso, como foi o auxílio emergencial.
Amorteceriam ao menos parte do efeito
inflacionário e sairiam mais barato para o governo que a destruição de valor
que Bolsonaro e Guedes estão promovendo na Petrobras. Além disso, já poderiam
estar em curso, caso Bolsonaro não tivesse dedicado os últimos dois meses a
brigar com a companhia para fazer mudanças que demorarão e talvez nem ocorram a
tempo de fazer efeito na campanha eleitoral.
O que espanta, no caso, não é que o
presidente tenha de novo recorrido ao tumulto para tentar escapar à cobrança do
eleitorado, mas a facilidade com que entrega aos adversários o monopólio da
narrativa política.
Ao buscar convencer o país de que está
tentando resolver o problema, mas é impedido pela “Petrobras Futebol Clube”,
está dizendo, no fundo, que está perdido diante da crise a cinco meses da
eleição.
Se a única solução que lhe ocorre é copiar
o PT, Bolsonaro tem um problema real. Por que se deveria acreditar que, como
diz Guedes, este governo é melhor, quando tenta fazer exatamente o que o
adversário faria —e, o que é pior, não consegue?
Um comentário:
Comparação esdrúxula,o governo Bolsonaro é incomparável.
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